Título: Argentina aprofunda protecionismo contra Brasil, mas alivia os chineses
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 14/07/2012, Economia, p. 25

BRASÍLIA. Como se não bastassem as barreiras protecionistas, os argentinos dão preferência aos bens exportados pela China e tornam mais lento do que já é o desembaraço de mercadorias brasileiras nas alfândegas. Dados coletados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) com institutos oficiais argentinos, aos quais O GLOBO teve acesso, mostram taxas de crescimento impressionantes das compras de produtos chineses.

Números atualizados até o ano passado revelam que as compras de calçados chineses subiram 98,6%. Justamente o setor de calçados, objeto de um acordo firmado há dois anos, em que os exportadores brasileiros se comprometeram a restringir os embarques anuais para a Argentina a 12 milhões de pares, para ajudar as empresas do vizinho.

Técnicos do governo brasileiro explicaram que a questão não é o valor adquirido, mas as taxas de crescimento de produtos argentinos, o que pode significar uma tendência macabra para a indústria nacional. As compras de sapatos do Brasil, por exemplo, subiram 16%, levando em conta uma fraca base de comparação, em 2010.

No mesmo período, as importações de roupas da China subiram 82,8%; de móveis, 53,6%; automóveis, 91,7%; siderúrgicos, 87,7%; equipamentos e aparelhos eletroeletrônicos, 62%. As compras de tecidos de malha brasileiros pelos argentinos caíram 15,5%, e as de roupas, 1,7%.

A lista é interminável e levou o governo brasileiro a comunicar aos argentinos que não vai mais homologar qualquer tipo de novo acordo de restrição voluntária de exportações firmado no setor privado. Nos bastidores, estuda-se alguma retaliação, como uma ação na Organização Mundial do Comércio (OMC), pelo longo tempo de liberação das mercadorias brasileiras.

Venda de tratores brasileiros cai 43,6%

O caso dos calçados é emblemático. A OMC determina que o prazo máximo para o desembaraço dos produtos importados é de 60 dias; os argentinos estão levando, em média, 225 dias para a liberação. Há 1,4 milhão de pares parados nas aduanas argentinas, o que é péssimo para um setor que trabalha com moda.

- Para vendermos esses sapatos, só se voltarmos no tempo, ou se a moda for retrô - disse o presidente da Abicalçados, Milton Cardoso. - Nossas exportações para a Argentina estão em queda livre.

Dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) mostram que, de janeiro a maio, houve uma redução de 59% em volume e 55% no faturamento dos exportadores calçadistas. Isso intensificou o êxodo de empresas brasileiras que atuavam no país vizinho.

Levando em conta o primeiro semestre deste ano, as vendas de tratores brasileiros à Argentina caíram 43,6%. Calçados e tecidos sequer aparecem entre os principais itens exportados na pauta brasileira para aquele mercado. Os embarques de automóveis diminuíram mais de 30%.

Em uma avaliação reservada, os técnicos reconhecem a grande dependência que a Argentina tem da China, sua principal compradora de produtos agropecuários, mas revelaram que a paciência está no limite. A única saída para o problema, disse uma fonte, seria um acordo político, no mais alto nível, entre as presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner.

- Estão barrando somente os nossos produtos. Os dos chineses, não - disse uma importante fonte do governo brasileiro.

Nos bastidores, o que se diz é que, ao tentar segurar as importações da China, tal como faz com o Brasil, a Argentina foi avisada por Pequim de que poderia ter suspensas suas exportações de óleo de soja para o país asiático. Daí o maior cuidado no desembaraço de mercadorias chinesas.

Além disso, Cristina tem pressionado o Brasil e os demais sócios do Mercosul a firmar um acordo de livre comércio com os chineses. Como o governo brasileiro rechaça essa possibilidade, a presidente argentina vem tocando seu projeto sozinha.