Título: ONU se volta contra armas sírias
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Fonte: O Globo, 14/07/2012, O Mundo, p. 27

O enviado especial da ONU e da Liga Árabe à Síria, Kofi Annan, viu "um sinal de que o plano de paz está sendo ignorado". E se disse chocado. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, por sua vez, questionou publicamente o comprometimento do regime de Bashar al-Assad com a proposta, lembrando que o presidente da Síria já deveria ter suspendido o uso de armas pesadas contra centros populacionais há pelo menos três meses. Mas o fato é que o organismo multilateral, mais uma vez, viu-se incapaz de evitar ou mesmo reagir à violência. Impedidos de chegar ao vilarejo de Tremseh - onde ativistas denunciam o massacre de ao menos 220 pessoas - os observadores da ONU puderam apenas confirmar o que testemunhas já haviam relatado: o regime sírio recorreu a disparos de artilharia e mísseis lançados de helicópteros Mi-8 e Mi-24 para calar a dissidência.

A Unsmis (como é chamada a missão de observadores) disse ter enviado uma patrulha desarmada à região - ainda que, oficialmente, os trabalhos estejam suspensos desde o mês passado devido à falta de segurança. O carro, porém, foi impedido pelas Forças Armadas da Síria de seguir viagem a cerca de seis quilômetros de Tremseh "por conta de operações militares". Segundo o chefe da missão, general Robert Mood, o grupo estaria pronto para viajar ao local tão logo haja um cessar-fogo.

- Pudemos verificar batalhas contínuas na região - sentenciou Mood, em Damasco.

De mãos atadas, o general norueguês ultrapassou até os limites de seu mandato. E acabou fazendo um apelo de cunho político:

- Governo e oposição devem se comprometer a criar condições para sentar à mesa de negociações. Se isso ocorrer, a missão terá credibilidade e poderá contribuir para melhorar a situação.

O desalento parecia tomar conta também de Kofi Annan. Ele destacou a violação pelo governo Assad de um dos seis pontos fundamentais de sua proposta: o fim do uso de armas pesadas contra centros populacionais.

"Condeno essas atrocidades nos mais fortes termos. Trata-se de mais um lembrete do pesadelo e dos horrores aos quais os civis sírios estão sendo submetidos", disse o mediador.

Ban também adotou um tom mais incisivo. Pediu que os membros do Conselho de Segurança "tenham ações coletivas e decisivas para parar a tragédia que se desenha na Síria".

- A inação se torna uma licença para outros massacres - advertiu.

Temor pelo destino de arsenal químico

Até a noite de ontem, ao menos 74 corpos foram identificados - de um total que ativistas garantem chegar a 220. Alguns morreram vítimas do bombardeio que teria se arrastado por cinco horas. Outros apresentavam marcas de disparos na cabeça, provavelmente à queima-roupa, segundo relatos. De concreto, emergiam apenas indícios de barbárie. Os testemunhos de matança a sangue frio, somados às imagens de corpos empilhados, cobertos por cobertores, à espera de enterro causaram indignação. E muitos dissidentes descarregaram a fúria em Annan.

- Ele mais uma vez condena o massacre, mas não condena o autor do massacre - acusou Obeida Nahas, do opositor Conselho Nacional Sírio (CNS).

Apesar da oposição de China e Rússia, em Nova York, o Conselho de Segurança voltou a se reunir em busca de consenso visando a uma resolução contra a Síria. A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, e o próprio CNS pediram a adoção urgente de um documento. Os esforços diplomáticos, no entanto, ficaram ontem em segundo plano. Chamavam a atenção os testemunhos do ocorrido na quinta-feira em Tremseh, um vilarejo agrícola sunita a cerca de 35 quilômetros de Hama. Mesmo os mais contraditórios. O governo da Síria informou que "50 terroristas armados" morreram lá em choques com o Exército.

Relatos de dissidentes também divergiam. Sabe-se de bombardeios e de combates com o envolvimento de milícias alauítas pró-regime.

- A maioria das vítimas era de combatentes do (opositor) Exército Livre da Síria (ELS), mortos ao lutar contra o regime. Um comboio militar estava a caminho de Hama quando foi atacado pelo ELS. O Exército contra-atacou com a ajuda de milícias de vilarejos alauítas pró-regime das redondezas. O ELS resistiu por uma hora, quando o Exército começou os bombardeios - disse um ativista identificado como Jafaar.

Morador da região, Bassel Darwish dá outra versão:

- O Exército cercou a vila cedo. Muitos tentaram retirar as mulheres e as crianças, mas foram impedidas.

À sombra das incertezas, cresceram os temores pelo destino do arsenal de armas químicas de Assad. Segundo o "Wall Street Journal", o regime começou a retirar de armazéns parte do estoque de gases sarin e mostarda. Segundo autoridades americanas, Assad poderia estar planejando ataques contra civis e rebeldes - ou apenas escondendo o equipamento para impedir que caia nas mãos da dissidência.