Título: Nova apuração no México
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Fonte: O Globo, 04/07/2012, O Mundo, p. 27

As denúncias de irregularidades na votação que elegeu Enrique Peña Nieto, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o novo presidente do México transformaram-se ontem em imbróglio político. De um lado, a máxima autoridade eleitoral do país, o Instituto Federal Eleitoral (IFE), aceitou as denúncias do segundo colocado, Andrés Manuel López Obrador, Partido da Revolução Democrática (PRD), derrotado com diferença de 6,51 pontos percentuais, e anunciou a recontagem de um terço dos votos a partir de hoje - nada menos que entre 45 mil e 55 mil urnas das cerca de 143 mil instaladas em todo o país.

Mas, do outro lado, Peña Nieto, já chamado pela imprensa local de "o virtual presidente eleito do México", se esforçava para ignorar a contestação. Ele recebeu cumprimentos de vários líderes mundiais - entre eles, a presidente Dilma Rousseff - pela vitória. E antes mesmo de anunciar os nomes do Gabinete, decidiu focar o discurso nas reformas que pretende, em breve, apresentar ao Congresso, no qual seu partido não tem maioria.

As atenções, porém, estavam focadas na polêmica - sobretudo em um país que viu nas eleições de 2006 um desfecho dramático, no qual o mesmo López Obrador fora derrotado por 0,56 ponto percentual pelo atual presidente, Felipe Calderón.

Pela lei eleitoral promulgada em 2007, as urnas passíveis de recontagem são as que registraram uma diferença igual ou menor a 1% entre o primeiro e o segundo colocados; aquelas em que os votos nulos são maiores à diferença entre o ganhador e o segundo lugar e, ainda, as suspeitas de terem recebido cédulas com erros.

O presidente do IFE, Alfredo Figueroa, explicou que em 43 urnas, espalhadas em 37 distritos, a recontagem dos votos será total. A apuração dos votos presidenciais se dará em 19 distritos - entre eles, o Distrito Federal, onde López Obrero teve vantagem avassaladora sobre o candidato do PRI: 53% contra 26%. E também no Estado do México, reduto de Peña Nieto, onde bateu o adversário por 43% a 34%.

- Estamos oferecendo estimativas; falando em termos gerais de um terço da eleição presidencial. Hoje, diferentemente de outros processos eleitorais, se houver uma única inconsistência na ata, derivada de um erro na captura (do voto), de um mesário, ou de qualquer processo de consistência da ata, isso terá que ser resolvido pelo IFE diante dos cidadãos - declarou Figueroa.

Mas, a resolução não pareceu satisfazer a López Obrador. Determinado, ele defendeu uma recontagem total em todos os 300 distritos eleitorais do México.

- Vamos pedir que limpem essas eleições e as tornem transparentes. Pelo bem da democracia e pelo bem do país, deve-se recontar todos os votos para que não haja dúvidas. Vamos seguir dentro dos trâmites legais - pediu o representante da esquerda, que diz ter provas concretas de compra de votos pelo adversário.

Vales-compras reforçam suspeitas

Na Cidade do México, o clima de desconfiança foi reforçado pelo surgimento no mercado mexicano de vale-compras - distribuídos supostamente pelo PRI de Peña Nieto. Milhares teriam corrido às lojas para trocar os vales. Alguns consumidores estariam, inclusive, reclamado: não receberam os valores combinados e, em alguns casos, o cartão-presente não estava funcionando.

- Eles nos deram o cartão em nome do PRI e de Hector Peroza (um candidato a deputado pela legenda). Disseram que estavam contando com o nosso voto - contou a estudante universitária Maria Salazar, de 20 anos, ao sair de um supermercado junto ao pai, de 70 anos.

Os dois levavam sacolas plásticas lotadas de papel higiênico, óleo de cozinha, arroz, biscoitos e macarrão instantâneo. Pai e filha contaram à agência Associated Press que deram uma fotocópia da carteira de identidade para ganhar os vales.

- Eles nos disseram que (os vales) seriam de 500 pesos (cerca de R$260), mas no caixa descobrimos que valiam apenas 100 pesos - queixou-se o pai da jovem, Antonio.

Comerciantes da região confirmaram um aumento do número de consumidores com os tais cartões. Uma outra mulher, na mesma mercearia, também disse ter recebido um vale-presente no valor de 100 pesos.

Toda a polêmica, no entanto, passou ao largo do escritório do contestado Peña Nieto. Da presidente Dilma Rousseff, ele ouviu ao telefone cumprimentos por "uma vitória da América Latina". Também encontrou tempo para dar sua primeira entrevista à rádio pública americana, PBS. E tocou logo num dos pontos sensíveis da relação entre os dois países - o tráfico de drogas.

- Não digo que devemos legalizar (as drogas), mas devemos debater no Congresso. As coisas não estão funcionando - afirmou.

A resposta à todas as contestações coube ao coordenador da campanha do PRI, Luis Videragay:

- Ele ganhou de maneira limpa e vai ser presidente do México. O PRI vai se defender desta birra.