Título: Espanha aperta o cinto com cortes de 65 bi
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Fonte: O Globo, 12/07/2012, Economia, p. 24

Medidas incluem aumento de impostos. População se junta a protesto de mineiros, que resulta em 17 presos e 76 feridos

MANIFESTANTES ENFRENTAM a tropa de choque em Madri durante um protesto de mineiros contra o corte de subsídios para o setor. A polícia usou balas de borracha, enquanto a população revidava com o que estivesse à mão: pedras, frutas e garrafas. À noite, os manifestantes voltaram a se reunir na Porta do Sol, no Centro de Madri

MADRI e ROMA . O governo espanhol anunciou ontem novas medidas de austeridade, no total de 65 bilhões, em meio a um protesto de mineiros que atraiu uma população desgastada com a crise e degenerou em violência, com 17 presos e 76 feridos, segundo a imprensa local. O pacote inclui aumento de impostos, cortes nos salários e benefícios de funcionários públicos, redução de subsídios e do auxílio-desemprego, além de reforma nas aposentadorias.

- Essas medidas não são agradáveis, mas são necessárias. Nosso gasto público excede nossa receita em dezenas de bilhões de euros - afirmou no Parlamento o presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, em meio às vaias da oposição.

Fontes do governo disseram ao jornal espanhol "El País" que as medidas serão aprovadas pelo Conselho de Ministros amanhã e entrarão em vigor imediatamente. Outros órgãos de imprensa afirmaram que o aumento do IVA (imposto sobre consumo) entrará em vigor no dia 1 de agosto.

Enquanto isso, nas ruas de Madri, dezenas de milhares de estudantes, professores, aposentados e ativistas do movimento 15-M (dos Indignados) se juntaram aos mineiros, que saíram do Norte da Espanha para protestar contra cortes de 60% nos subsídios à mineração, que levarão ao fechamento de várias minas. Há semanas, os mineiros vêm fazendo manifestações, que culminaram com a marcha até a capital, às portas do Ministério da Indústria. A marcha durou 44 dias. Eles chegaram na capital na noite de terça-feira, com capacetes iluminados, e foram recebidos como heróis.

- Achei que todos os cortes feitos antes na saúde e nas aposentadorias fossem o pior que pudesse acontecer. Mas agora... - lamentava-se Manuel Corte, um segurança de Astúrias que se juntou à marcha dos mineiros.

A polícia tentou dispersar os manifestantes com balas de borracha. Eles revidaram com pedras, frutas e garrafas. A polícia informou ter prendido oito pessoas - nenhum mineiro - durante o dia. O governo afirmou que havia vários manifestantes "antissistema" no protesto e que estes seriam os responsáveis pela violência.

No início da noite, um grupo começou outro protesto, também em apoio aos mineiros, na Porta do Sol, o local de concentração dos Indignados. Por volta das 22h (hora local), a polícia tentou dispersar o grupo, que revidou com pedras e incendiou lixeiras. Nove pessoas foram presas. Funcionários e clientes da loja de departamentos El Corte Inglés, em frente à praça, não conseguiam sair por causa do tumulto.

Analistas acreditam que as novas medidas de austeridade podem acabar aprofundando a recessão na Espanha. O desemprego no país já está em 24,4%. Em seu blog no jornal americano "The New York Times", o economista e ganhador do prêmio Nobel Paul Krugman afirma que as medidas "não fazem qualquer sentido".

- Não se trata de medidas para estimular o crescimento, obviamente será o contrário, mas pura e simplesmente para evitar uma falência - disse à agência Reuters Nicolas Lopez, diretor da corretora MG Valores.

Representantes do setor de turismo temem que a alta do IVA encareça os serviços e afugente os turistas, o que levaria ao fechamento de vagas nessa área. A alíquota normal passou de 18% a 21%, e a reduzida, de 8% para 10%. Rajoy havia dito, depois de assumir, que um aumento do IVA estava descartado, e o anúncio de ontem, segundo especialistas, mostra a ingerência da Comissão Europeia sobre a Espanha, já que esta teria exigido impostos maiores em troca de um socorro aos bancos de 100 bilhões.

Rajoy cedeu a outras exigências da Comissão Europeia: ele anunciou novos impostos indiretos sobre energia, planos para privatizar portos, aeroportos e ferrovias, e o fim da isenção de uma taxa sobre imóveis. Não reduziu as aposentadorias, mas disse que conversará com a oposição sobre uma mudança no sistema, que atrele os benefícios à expectativa de vida.

Os funcionários públicos não receberão décimo terceiro salário este ano e perderão o direito de "enforcar" feriados. A medida se aplica ao Executivo, e Rajoy pediu que ela seja estendida aos parlamentares. Com isso, o governo espera economizar 5 bilhões.

- Estamos vivendo um momento crucial, que vai determinar o futuro de nossas famílias, nossos jovens, nosso sistema previdenciário e nossas esperanças - disse Rajoy. - Essa é a realidade. Temos de sair dessa confusão o mais rapidamente possível.

Em Bruxelas, a Comissão Europeia elogiou o programa, que classificou de um passo importante para assegurar o cumprimento das metas de déficit para este ano, de 6,3% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país).

Premier italiano afirma que país enfrenta "guerra"

Na Itália, também encurralada pela crise da dívida na zona do euro, o premier Mario Monti afirmou ontem que o país está enfrentando uma "guerra duríssima". Segundo a agência de notícias Ansa, Monti disse, em reunião com banqueiros, que a Itália "está no meio de um túnel" e que os efeitos das medidas de austeridade só serão vistos no futuro.

- Os primeiros resultados chegarão em 2013. Meu sucessor os verá - disse Monti, ressaltando que a guerra não acabou. - É uma guerra contra os difundidos prejuízos da Itália, contra a difundida e cínica subestimação de nós mesmos.