Título: Estou como um boi expiatório
Autor: de Gois, Chico
Fonte: O Globo, 11/07/2012, O País, p. 3

BRASÍLIA . Num depoimento que não convenceu nem mesmo os integrantes de seu partido, o prefeito de Palmas, Raul Filho (PT), negou que tenha recebido recursos não declarados do esquema do grupo do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Ele também disse que não beneficiou a construtora Delta, apontada pela Polícia Federal como parte das transações do bicheiro.

- Estão me colocando nisso como um boi expiatório - disse Raul.

Ele lamentou ter sido flagrado no vídeo filmado por Cachoeira, em 2004, durante sua campanha à prefeitura. E pôs à disposição da CPI a quebra de seus sigilos bancário, telefônico e fiscal. No vídeo, que alguns parlamentares queriam exibir antes do depoimento, mas foram impedidos pelo presidente da CPI do Cachoeira, senador Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), Raul aparece conversando com o bicheiro, junto com o amigo Silvio Roberto e de um assessor de Cachoeira, de nome Alexandre.

Na conversa, eles tratam da doação de campanha para Raul Filho. Dias depois, Silvio volta a se encontrar com o bicheiro para dizer que o dinheiro poderia significar uma aposentadoria para ele e para o próprio Raul. Os recursos não estão declarados na prestação de contas oficial do prefeito em 2004.

Raul Filho disse que conheceu Cachoeira em 1994, quando foi candidato a deputado estadual em Tocantins. Ele teria sido apresentado por Uiatan Cavalcanti, que concorria à Câmara. Segundo ele, ficaram dez anos sem se ver. Só foram se reencontrar em 2004. Ele alegou que não sabia de antemão que o empresário interessado em contribuir para sua campanha era o contraventor.

Em declarações que variavam entre "não sei" e "absolutamente", Raul Filho negou que tenha recebido dinheiro de caixa dois.

- O senhor Carlos Cachoeira não fez doação para minha campanha. Em que pese a expectativa criada, nem sequer chegou a concretizar (a doação), como comprova a prestação de contas da campanha - disse ele.

O prefeito disse que, apesar de no vídeo ficar nítida uma negociação para liberação de recursos, em troca de futuros contratos com a prefeitura, nem uma coisa nem outra teria acontecido. Os parlamentares, no entanto, não acreditaram na versão. O deputado Cunha Bueno (PPS-PR) lembrou que o petista estava na reta final de campanha e não é comum um candidato sair da sua cidade, ir para outro estado, gastar o dia numa negociação, e depois não receber os recursos.

Os petistas mostraram desde cedo que não iriam hipotecar ajuda ao colega de partido. Somente o relator da CPI, Odair Cunha (PT-MG), fez perguntas. Os demais se retiraram no meio da sessão. Para o vice-presidente da comissão, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), Raul cometeu dois pecados: não rompeu o contrato com a construtora Delta, apesar das denúncias de irregularidades, e não demonstrou que há uma fiscalização efetiva.

- Ele é do nosso partido, teria de convencer a todos. Como ouvinte, ele não me convenceu - disse Teixeira.

A mesma análise teve o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG):

- Há uma contradição no depoimento do prefeito que impõe que a investigação continue.

Sobre as negociações com o grupo de Cachoeira, Raul Filho disse que na conversa tentou apenas criar expectativa no bicheiro.

- Estávamos tentando mostrar para ele que não éramos uma alma depenada (sic). Tínhamos outras pessoas a quem podíamos recorrer.

Raul Filho demonstrou desconhecer aspectos básicos da própria administração. Não soube responder se a Delta fazia outro serviço no município além da coleta de lixo nem respondeu como é feita a fiscalização do serviço.