Título: Crise fraca pode deixar G-20 sem ambição
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 24/09/2009, Economia, p. 32

Grupo dos 20 países mais desenvolvidos do mundo inicia reunião com pauta ambiciosa, mas tendência é de que não adote soluções globais para um problema mundial

Aliviados com o enfraquecimento da crise internacional, os líderes do G-20, grupo das 19 maiores economias do mundo e a União Europeia, se reúnem a partir de hoje em Pittsburgh (EUA) para coordenar as ações adotadas daqui para frente. A intenção é encontrar formas de diminuir o déficit público e o endividamento causados pelas medidas de combate à recessão, além de negociar uma nova regulamentação do sistema financeiro. A exemplo do que se deu na cúpula anterior, em Londres, em abril, a pauta é ambiciosa, mas os analistas não esperam nenhuma medida concreta como resultado das conversas. Mais uma vez, os participantes devem se limitar aos discursos bem-intencionados.

¿O que vai acontecer é uma grande festa para celebrar a saída da crise mais rapidamente do que o esperado. Vai ser um coquetel de comemoração¿, resume Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-presidente do Banco Central (BC). Apesar da retórica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o Brasil foi o primeiro a superar a recessão, outros também conseguiram o resultado no segundo trimestre, como Japão, França, Alemanha e Portugal. Os Estados Unidos devem voltar a crescer no último trimestre e a Inglaterra, só em 2010. Apesar da diferença no ritmo de recuperação, os governos procuram uma estratégia para lidar com o rescaldo.

Para Langoni, três temas vão dominar as reuniões. O primeiro será como evitar que a degradação das contas públicas causada pelos pacotes bilionários de cortes de impostos e investimentos públicos possa ser contornada sem gerar um surto inflacionário internacional. Alemanha e França defendem a suspensão das medidas de incentivo, mas os EUA e o Brasil acreditam que fazê-lo agora seria prematuro e poderia abortar a retomada do crescimento. O segundo assunto de destaque é o desmonte dos mecanismos que injetaram trilhões de dólares no mercado para garantir as operações do sistema financeiro e reequilibrá-lo. Existem dúvidas sobre até que ponto os bancos ainda precisam dessa ajuda.

O terceiro objeto de discussão é a regulamentação financeira global. ¿Esse debate vai se dar sem o calor da emoção, o que pode desestimular os países a buscarem voos muito altos. O que pode sair é algo em torno da fixação de um limite máximo para os empréstimos dos bancos, mas nenhum país vai abrir mão de estabelecer seus próprios tetos. Essa história de um novo redesenho da arquitetura financeira internacional não passou de uma ilusão¿, diz Langoni. De qualquer maneira, ele acredita que a lição que ficará de tudo isso é que, no novo cenário, crises econômicas de proporção afetam a todos e, por isso, devem ser combatidas por ações coordenadas entre os países.Raciocinando mais do ponto de vista político e diplomático, o ex-embaixador brasileiro em Washington Roberto Abdenur ressalta a importância do encontro, apesar da predominância da retórica. A própria consolidação do G-20 como um foro de discussão que vem ganhando força frente ao G-8 (sete economias mais industrializadas e a Rússia) é considerada um avanço. Para ele, na cúpula de Pittsburgh, os países emergentes devem conseguir dar um passo a mais na tentativa de aumentar o poder em organismos multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird). Também devem conseguir a reiteração do compromisso contra o protecionismo comercial.

O que vai acontecer é uma grande festa para celebrar a saída da crise mais rapidamente do que o esperado. Vai ser um coquetel de comemoração¿

Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas

Cada um faz o seu

Numa demonstração de que os líderes reunidos em Pittsburgh (EUA) não devem chegar a um consenso quanto às regras globais para disciplinar o setor financeiro, a União Europeia (UE) revelou ontem seu próprio plano a ser implantado nos limites de seu território. Ele é baseado na criação de uma superagência reguladora bancária, com poder para supervisionar os bancos de todos os países da UE, e de um outro órgão para disparar um sinal amarelo aos primeiros sinais de uma nova crise.

¿Nosso objetivo é proteger os contribuintes europeus de dias escuros como tivemos em 2008¿, disse ontem o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso. O plano foi aprovado pelos líderes da UE e pode minar a autoridade da Inglaterra, que quer manter controle sobre um dos motores de sua economia, a City londrina, segunda maior praça financeira do mundo. Os EUA também vão resistir, pois já apresentaram seu próprio modelo. Também não há indícios de que o Brasil e outros emergentes abririam mão das suas normas.

Lula

Em discurso de abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, um ano depois do agravamento da crise, os problemas de fundo ainda não foram enfrentados. ¿Há enormes resistências em adotar mecanismos efetivos de regulação dos mercados financeiros e sinais inquietantes de recaídas protecionistas¿, disse. O assunto para o qual o presidente norte-americano, Barack Obama, tem mais chamado a atenção é a limitação dos rendimentos dos principais executivos dos bancos. Na pauta do G-20, é a medida com mais visibilidade pública. Anfitrião de uma cúpula pela primeira vez, Obama vai forçar um compromisso para a criação de algum instrumento de contenção.

¿Controlar os bônus pagos aos executivos não é apenas uma questão moral, mas também prática. O sistema atual, que vincula os pagamentos a resultados, estimula a especulação financeira e empréstimos sem lastro no capital da instituição. Isso esteve na raiz da crise atual¿, atesta Roberto Abdenur, ex-embaixador brasileiro em Washington. Em seu discurso na assembleia da ONU, Obama prometeu ontem que vai trabalhar pelo ¿crescimento equilibrado e sustentável¿ durante a cúpula. ¿Isso significa estabelecer novas regras e fortalecer a regulação para todos os centros financeiros, para que se coloque um fim à ganância, aos excessos e aos abusos que nos conduziram ao desastre, e impedir que uma crise como essa aconteça de novo¿, disse.

O Brasil não aceita uma proposta dos EUA para o G-20 supervisionar a economia de seus membros. O Fundo Monetário Internacional (FMI) decidiria se as políticas dos países são consistentes com o crescimento equilibrado. ¿Essa proposta é obscura¿, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, os países devem continuar ajustando as políticas monetária e fiscal de acordo com suas necessidades. ¿O FMI já monitora a performance dos membros por meio de revisões regulares.¿

Ontem, em Pittsburg, manifestantes contrários à globalização econômica fizeram uma passeata. O principal pedido foi a adoção de uma política internacional que favoreça a educação para todos.

Em debate

Principais pontos em discussão na cúpula

Regulamentação do sistema financeiro de forma coordenada

Limitação dos rendimentos dos principais executivos dos bancos

Limitação dos empréstimos dos bancos como proporção do capital

Ritmo de retirada dos incentivos fiscais e monetários à economia

Aumento no déficit público e o endividamento por causa das medidas

Consolidação do G-20 como fórum mundial, em substituição ao G-8

Participação maior dos países emergentes no FMI e Banco Mundial

Medidas concretas para evitar o protecionismo no comércio exterior