Título: Justiça do Egito reage à plenária do Parlamento e cassa decreto presidencial
Autor:
Fonte: O Globo, 11/07/2012, O Mundo, p. 26

CAIRO . A reunião rápida na Assembleia do Povo durou apenas cinco minutos, mas sacramentou uma nova fase da revolução egípcia, onde a batalha pela democracia ocorre, agora, nas cortes de Justiça do país e não mais na Praça Tahrir. E colocou os 508 deputados do Parlamento no centro de uma acirrada disputa de poder entre o recém-empossado presidente islamista, Mohamed Mursi, e a junta militar que governa o Egito.

Os legisladores de orientação laica e liberal boicotaram a sessão, mas cerca de 70% dos parlamentares, religiosos, lotaram ontem o plenário para discutir a própria legalidade. O encontro teve um significado duplo: por um lado, atendeu ao decreto presidencial emitido por Mursi no último domingo visando à restauração do Parlamento. Por outro, desafiou a autoridade da Suprema Corte Constitucional, que já havia considerado ilegais as leis sob as quais a Casa fora eleita, levando à dissolução do primeiro Parlamento eleito livremente no Egito pós-Hosni Mubarak e dando uma vitória para os generais.

O ato de rebeldia parlamentar teve consequências imediatas. E o tribunal anulou imediatamente o decreto de Mursi.

- A corte determinou o fim da decisão do presidente de reconvocar o Parlamento - declarou o juiz Maher el-Beheiry.

A decisão impede o Parlamento de se reunir novamente - ainda que nenhuma nova sessão esteja prevista. A rapidez da reação judicial se explica pelo desafio lançado pelos deputados presentes à rápida sessão de ontem.

Cinco minutos foram o bastante para que o presidente do Parlamento, Saad al-Katatni, da Irmandade Muçulmana, fizesse um discurso e encaminhasse para votação uma proposta de levar a legalidade da Casa a outro tribunal, a Suprema Corte de Apelações - o que foi aprovado pelos presentes.

Apesar do ato desafiador em si, Katatni manteve um tom ambíguo ao adotar um discurso um tanto conciliador para com os militares. Ele evitou ataques e acusações.

- Eu os convido a reunir-se em acordo com o decreto emitido pelo presidente. Quero confirmar que o decreto presidencial não viola a Justiça - declarou o deputado, antes de completar: - Quero destacar que nós não estamos contrariando a decisão judicial, apenas buscando um mecanismo para implementar a decisão da respeitada corte. Não há outra agenda aqui hoje.

Hillary vai ao Cairo, e Patriota mostra apreensão

O posicionamento da Irmandade Muçulmana - alvo de rumores insistentes de supostas alianças com os generais - foi amplamente criticado pela bancada secular do Legislativo. E suscitou uma nova onda de boatos sobre a demora de Mursi em nomear não só um primeiro-ministro, mas todo o Gabinete de transição. A instabilidade e a boataria forçaram os assessores do presidente a romper o silêncio.

- Os rumores de que ele (Mursi) ocuparia o cargo são mentiras propagadas pela imprensa. O nome do primeiro-ministro será anunciado em breve, antes da partida do presidente para a Arábia Saudita - assegurou o porta-voz de Mursi, Yasser Ali, referindo-se à visita ao Golfo Pérsico programada para hoje.

A perspectiva de um Egito com um presidente enfraquecido, um vácuo legislativo e um racha ideológico entre civis e militares nas altas esferas do poder causou preocupação nos Estados Unidos. A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pediu cooperação entre as autoridades civis e militares para preservar a transição política. Segundo a agência estatal Mena, ela fará uma visita ao Cairo já no próximo sábado.

- Nós pedimos fortemente o diálogo e o esforço conjunto de todos para tentar lidar com problemas que são compreensíveis, mas que têm que ser resolvidos para evitar qualquer tipo de dificuldades capazes de inviabilizar a transição em curso - disse ela.

A preocupação com o desfecho da crise no maior dos países árabes também ecoou em Brasília. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, expressou preocupação:

- O Egito é fundamental para todo o desenvolvimento dos países árabes, e fazemos votos para que o presidente democraticamente eleito possa governar da forma mais democraticamente possível.