Título: Analistas aprovam, mas estão cautelosos
Autor:
Fonte: O Globo, 30/06/2012, Economia, p. 31

Eficácia do acordo depende de detalhes, como quem vai pagar a conta do resgate dos bancos

Correspondente na Europa

BRUXELAS. A reação ao pacote anunciado ontem pelos líderes europeus para conter a crise do euro foi de entusiasmo. Mas, como analistas disseram ao GLOBO, o diabo está nos detalhes. Vai ser na implementação do acordo - ou seja, na negociação dos detalhes, nos próximos dias - que a vontade dos europeus em mudar radicalmente o rumo do bloco será novamente testada. Por exemplo: quem vai pagar a conta da recapitalização dos bancos em dificuldades que, pelo acordo, poderão obter dinheiro diretamente do fundo permanente de resgate financeiro da Europa? Apenas os contribuintes, ou também os acionistas? Que bancos, além dos espanhóis, vão se beneficiar?

Harald Benink, professor da Universidade de Tilburg, na Holanda, fundador do Comitê Europeu Paralelo de Regulação Financeira, um grupo de 15 acadêmicos e especialistas em bancos e finanças, defende que os acionistas sejam obrigados a assumir perdas.

- Nós defendemos que é preciso também impor perdas aos acionistas e detentores de títulos desses bancos (como condição para a recapitalização). Senão, serão só os contribuintes europeus que vão pagar - afirma Benink.

O economista Guntram Wolff, vice-diretor do Instituto Bruegel, em Bruxelas, ressalta que o entusiasmo inicial dos mercados com o acordo não está garantido:

- Tudo vai depender dos detalhes. Isso vai ser chave. O acordo é vago em várias dimensões.

Os líderes decidiram, por exemplo, que a recapitalização de bancos em dificuldades vai ser feita sob "condições apropriadas". Mas não especificaram que condições são estas. Os primeiros beneficiários serão os bancos espanhóis, para os quais já há um acordo de ajuda europeia de 100 bilhões. Isso salva os bancos da Espanha?

- Vai depender do tamanho das perdas dos bancos, e isso ninguém sabe - diz Benink.

O acordo também prevê que o Banco Central Europeu (BCE) vai assumir a supervisão de todos os bancos dos países da zona do euro, acabando com a situação atual, em que cada país cuida de suas instituições financeiras. Benink aplaude a iniciativa, mas acha que é impossível o BCE estar pronto até o fim do ano para supervisionar todos os bancos, porque não tem nem instalações nem pessoal para isso.

"É preciso ir além da supervisão bancária", diz economista

Já Wolff questiona o fato de o acordo não ter ido mais longe, por exemplo, criando uma autoridade de resolução de crises para o setor bancário, que definiria questões como distribuição de custos entre acionistas, credores e contribuintes, assim como a concorrência no setor.

- Além da supervisão, é preciso decidir sobre bancos que não são viáveis - explica o economista.

Wolff também levanta dúvidas sobre a parte do acordo que abre uma porta para a compra de títulos soberanos pelo fundo de socorro europeu, por meio do BCE:

- Eles (os líderes europeus) não concordaram em comprar títulos de governos. E, mesmo que tivessem concordado, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) é muito limitado para ter um verdadeiro impacto, a longo prazo, na Itália e na Espanha - afirma.

Philippe d"Arsevinet, economista-chefe do banco francês BNP Paribas, acha que a decisão de recapitalização dos bancos utilizando diretamente o fundo permanente de resgate financeiro europeu - o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), que entra em vigor em julho - vai acalmar investidores. Para D"Arsevinet, os mercados ficaram tão decepcionados no passado pela falta de iniciativa europeia, que agora, com uma decisão mais clara, reagiram muito bem. Mas ele também acha que é preciso ir mais longe na questão dos bancos:

- As decisões foram na direção certa. Mas elas precisam ir além da supervisão bancária. É preciso criar um mecanismo para resolver crises bancárias no nível europeu, e um de garantia dos depósitos. Fala-se nisso há semanas, mas é preciso fazer rápido.