Título: Retórica e má consciência
Autor: Mendes, Candido
Fonte: O Globo, 30/06/2012, Opinião, p. 7

A Rio+20 assegurou, à perfeição, a retórica das expectativas internacionais sobre a sustentabilidade, por inteiro afastada de uma agenda de ação, por mais que tal alardeasse o seu programa. As falas dos chefes de Estado foram a repetição do óbvio, sem concessão.

Fora o discurso de Hollande, a comprometer, já, US$ 6 bilhões, para iniciar, de vez, a recuperação do Sahel e dos desertos africanos. Aqui e lá esses países não resistiram a pedidos concretos, imediatos, no vício do assistencialismo de sempre, ao pedir o Chade dinheiro já para evitar o completo sumiço do lago Djen Held.

O novo seria, por fora da oratória dos governos, o da reação da sociedade civil, mas a soçobrar, em matéria de protesto, no anticlímax da Conferência. As passeatas fugiram a um recado ou um confronto com o malfadado rascunho da palavra oficial. Entre flâmulas e bandeiras, o maior desfile era o de funcionários da Cedae, por aumento de salário. Tal como fundiam-se, no préstito em soma algébrica de muitos gritos, o minirrepúdio a Belomonte, ou as incursões dos índios de Rolex, após a investida nos jardins do BNDES.

No eixo da problemática que amadurece, avulta o equívoco sobre o verdadeiro sentido da sustentabilidade, frente à efetiva demanda do desenvolvimento. Quer-se levar à ONU o trio do avanço econômico, social e ambiental. Mas o slogan claudica, tanto a garantia da mudança está na interação assegurada entre as suas dimensões econômica e social, mas, também, política e cultural.

E aí estão as decepções, de vez, com a Primavera Árabe, mostrando os paradoxos de uma democracia que reinstalou o fundamentalismo e as eventuais guerras de religião. Ou, por outro lado, como evidencia o Brasil, a mobilização pela mudança e a ruptura, de vez, com o velho status quo apoiam-se nessa consciência direta da sociedade, saída, de vez, da marginalidade. É o que dá ao governo Dilma o atual apoio de 77% da população, independentemente das mediações partidárias.

A ecologia não é um luxo dos países afluentes, ou de sua produtividade no aproveitamento das novas riquezas intocadas do Ártico, a que se propõem os escandinavos. Mas não pode servir aí a transferências de prioridades, ou até à sua má consciência, no escamoteio das prioridades do planeta e da sua justiça coletiva, no sulco do escândalo das nações, sobretudo, africanas, com 1% da população detendo 80% de sua riqueza.

CANDIDO MENDES é integrante do Conselho das Nações Unidas para a Aliança das Civilizações.