Título: Pela primeira vez, número de católicos cai
Autor: Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 30/06/2012, O País, p. 3

Igreja Católica perdeu 1,6 milhão de fiéis em 10 anos; crescem evangélicos e os sem religião

Alessandra Duarte, Juliana Castro, Rafael Soares e Simone Candida

RETRATOS DO BRASIL

Dados do Censo divulgados ontem pelo IBGE mostram que, pela primeira vez, caiu o número absoluto de católicos no país. Nas décadas anteriores, o instituto já registrava uma diminuição na proporção de católicos, mas isso acontecia porque eles cresciam em ritmo menor do que outros grupos, perdendo, portanto, espaço relativo no total da população. Desta vez, no entanto, além dos evangélicos continuarem crescendo, o total de católicos diminuiu em 1,6 milhão de pessoas, de 124,9 para 123,2 milhões na década passada. Mas eles seguem sendo majoritários, com 65% da população (eram 74% em 2000).

Entre os evangélicos, que ganharam mais 16 milhões de fiéis no período, o aumento foi de 15% para 22%. Também cresceu a porcentagem de brasileiros sem religião, de 7,4% para 8%, mas em ritmo menor que o da década de 90. Em 1991, eles representavam 4,7%.

O crescimento dos evangélicos ocorreu sobretudo entre os jovens e nas regiões metropolitanas. Foram as igrejas pentecostais que puxaram o crescimento evangélico, enquanto as evangélicas de missão, mais tradicionais, tiveram uma redução proporcional, estabilizando-se, segundo o IBGE. Houve ainda aumento de 1% para 4% na proporção dos que se declaram apenas evangélicos, sem especificar a igreja.

Segundo o cientista político Cesar Romero Jacob, professor da PUC-Rio, o crescimento dos pentecostais no Brasil se deu nas periferias das regiões metropolitanas - o que Jacob chama de "anel pentecostal" - e na fronteira agrícola-mineral do país, no Norte.

- E o que há em comum entre essas áreas? São áreas que receberam migrantes, sobretudo do interior nordestino, e que não conseguiram absorvê-los, porque não havia a presença do Estado. Além disso, a Igreja Católica também não conseguiu acompanhar essa migração, por não ter estrutura nessas áreas e ter um perfil centralizado e burocratizado. É um transatlântico, que para mudar de rota demora. Já as evangélicas são pequenos barcos, mais ágeis, e que conseguiram se firmar nesse vácuo - diz Jacob.

Gustavo Henrique Givisiez, do Departamento de Geografia da UFF, destaca a aceleração da tendência de queda de católicos. Ele comenta também o crescimento menor dos brasileiros que se declaram sem religião:

- Também podemos pensar que o grupo dos sem religião pode ter chegado a um limite, num país de tradição religiosa como o Brasil. Além, é claro, da reação das próprias religiões, como o fato de os pentecostais crescerem - avaliou Claudio Crespo, do IBGE.

O Rio de Janeiro é o estado com menor proporção de católicos, enquanto o Piauí está no extremo oposto, com 85,1%. O estado com maior proporção de evangélicos é Rondônia, com 33,8%. Comparando-se 2000 e 2010, o estado que teve maior aumento do número de evangélicos foi o Ceará, com aumento de 78,4%, seguido de Alagoas, com aumento de 76,8%. O estado que mais perdeu católicos foi Roraima (26,1%), seguido do Acre, com queda de 23,7%.

Nas divisões por renda e instrução, os espíritas têm a maior proporção de pessoas com superior completo (32%); católicos, sem religião e pentecostais são, por outro lado, aqueles com maior proporção de pessoas de 15 anos ou mais sem instrução ou com fundamental incompleto. Quando são vistos os dados por faixa etária, a proporção de católicos foi maior entre aqueles com mais de 40 anos; no grupo de 80 anos ou mais, chega a 75,2%. Já os evangélicos têm proporções maiores nas faixas etárias mais jovens, até 39 anos. E, na divisão por rendimento, os pentecostais são o grupo com maior proporção de pessoas que ganham até 1 salário mínimo (63,7%).

- O fato de católicos terem maior proporção de pessoas mais velhas, e os evangélicos, mais jovens, vai prejudicar a renovação católica. Os evangélicos têm uma maneira de trabalhar a população jovem, com música gospel, por exemplo, que consegue os atrair mais - diz Gustavo Givisiez.

Para Ricardo Mariano, professor de Sociologia da PUC-RS, a queda da população que se diz católica se confunde com o crescimento das evangélicas. Segundo o sociólogo, "os pentecostais crescem na seara católica".

- O principal fator de decréscimo da religião católica é o trabalho intenso dos concorrentes. As igrejas evangélicas, principalmente as de origem pentecostal, fazem uso da mídia para evangelização. A Igreja Católica ainda não consegue dominar os meios com a mesma eficácia - afirma.

O professor de Teologia da PUC-Rio Paulo Fernando Carneiro de Andrade admite que a queda já era esperada pela Igreja, mas ressalta que o panorama brasileiro não segue o modelo assistido na Europa ao longo do século XX, onde a queda da fé católica foi acompanhada pelo avanço do ateísmo.

- Na Europa, o resultado desse processo é o aumento do ateísmo. Aqui é a desfiliação de instituições e a construção de uma fé própria, de cada um.

Representante da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o padre jesuíta Thierry Linard, que é demógrafo e geógrafo, admite que a Igreja Católica não soube acompanhar, por exemplo, as migrações no país e as mudanças que elas provocaram:

- A queda do número absoluto de fiéis é simbólica. Esperávamos uma diminuição, mas não tanta. Se formos ver os locais onde a população evangélica mais cresceu, foi em locais com pouca presença institucional das igrejas, e os pobres dessas áreas ficaram meio abandonados. A Igreja se instalou confortavelmente nas paróquias, precisa voltar a ser mais missionária e menos centralizada. Por exemplo, criar núcleos menores nas comunidades, em vez de haver apenas paróquias - diz o padre Thierry, afirmando que há expectativa de estímulo ao aumento de fiéis com a vinda do Papa ao Brasil, sobretudo entre os jovens.

O representante da CNBB diz, porém, que as projeções sobre queda ainda maior de católicos nas próximas décadas são "muito frágeis":

- São simplistas, porque supõem que nada vai mudar até lá .