Título: Fuga de Damasco
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 17/07/2012, O Mundo, p. 24

Combates na capital assustam população e suscitam dúvidas sobre poderio do regime sírio

OPOSITORES DO regime rezam em área de combate em Damasco: rebeldes afirmam controlar pelo menos dois bairros da capital, que mergulhou de vez no conflito sírio

Reuters/Shaam News Network

A autoria e a localização exata dos vídeos são impossíveis de confirmar. Mas as imagens de famílias inteiras tentando fugir de Damasco, de malas em punho, derrubaram de vez o mito de que a capital síria conseguia, após 17 meses de conflito no país, manter-se numa situação de calma relativa. Sob rumores de novas deserções no regime de Bashar al-Assad, batalhas violentas se aproximaram ontem, cada vez mais, do Centro da cidade. E suscitaram dúvidas sobre o domínio do governo baathista sobre a capital - até então, intacto.

À noite, os rebeldes clamavam ter o controle de ao menos dois bairros. Desde domingo, os confrontos são intensos. Ontem, Midan, Zahira, Tadamon, Kfar Souseh, Nahr Aisha e Sidi Qada foram palcos de batalhas violentas. As Forças Armadas reagiram às ofensivas do opositor Exército Livre da Síria (ELS) com disparos de artilharia. Foram os primeiros bombardeios do governo contra o coração da capital. E, para analistas, uma estratégia um tanto ousada do regime, capaz de marcar um ponto definitivo de virada na crise.

- Além dos alauítas, Assad ainda conta com o apoio das elites sunitas e dos cristãos da capital. Ambos temem a ascensão de um governo sunita e religioso - reconhece o ativista sírio radicado em Beirute Shakib al-Jabri. - Mas agora, com a violência na porta de casa, essas pessoas começam a ter muito medo. Já há zonas de Damasco onde ninguém vai. Pânico é o que vai minar o apoio a Assad.

Boatos e deserções reforçam fissuras

A blogueira britânica Nervana Mahmoud concorda. Atenta observadora da oposição síria, ela faz, porém, uma ressalva: ainda que o presidente perca apoio entre as elites, isso não significa que o fim esteja próximo.

- A oposição sabe que, pelas armas, não pode vencer. Estas ofensivas contra Damasco são parte de uma guerra de nervos contra o regime. O ELS vem, ataca, ameaça e causa medo na população. O regime reage, e a oposição recua - observa Nervana.

Moradores de Damasco contatados pelo GLOBO contam que várias vias de acesso à capital foram fechadas ontem por barricadas, sobretudo as que levam ao aeroporto e ao vizinho Líbano. As batalhas mais violentas ocorrem na região Sul. No Centro e na Cidade Velha, o comércio aberto mantém, sob o medo, uma estranha normalidade. De alguns cafés, era possível ver a fumaça negra emergindo das explosões.

- À noite, ninguém sai. Ninguém tem coragem de dizer se é pró ou contra o regime. Não se fala. Alguns começam a estocar água e alimentos em casa - conta um deles.

Apesar da escalada, na arena diplomática, a Rússia insistia em manter-se ao lado da Síria. O chanceler Sergei Lavrov acusou o Ocidente de chantagear Moscou para condenar o país árabe no Conselho de Segurança. Mas, mesmo com a defesa do Kremlin, além de ter sua autoridade sobre a capital questionada, o regime assistiu a outras fissuras. Rumores sobre a deserção de Rustom Ghazali, o poderoso ex-chefe da inteligência militar síria no Líbano, foram desmentidos. Por outro lado, Assad sofreu a perda do major-general Adnan Silu, ex-chefe do programa de armas químicas da Síria, que anunciou, em um vídeo, ter entrado para o ELS.

Para Nervana Mahmoud, esses golpes têm um significado maior.

- Os rumores começam a surgir freneticamente. Mesmo se não confirmados, podem ajudar a implodir o regime. Rumores têm o poder de plantar a dúvida sobre a lealdade do círculo de Assad. Se ele perder a confiança de seus altos colaboradores, será o início do fim - sentencia.

Com agências internacionais

Sem retorno

A POPULAÇÃO começou a deixar Damasco, onde há combates nas zonas central, Oeste e Sul.

A CRUZ Vermelha Internacional declarou o conflito sírio "guerra civil".

A SITUAÇÃO parece chegar a um ponto sem retorno. Se for confirmado o fracasso da diplomacia, grande parte da culpa caberá à Rússia. E a maior vítima, como até agora, será o povo sírio.