Título: Estranha escolha
Autor: Coutinho, Marcelo
Fonte: O Globo, 17/07/2012, Opinião, p. 7

O Brasil participa da Unesco, sediada em Paris, desde a sua criação em 1945. Um dos primeiros acordos culturais foi justamente com a França, em 1948. No entanto, a nossa política externa só começou a dar atenção à cultura, de fato, ao fim dos anos 1950 com JK, de modo muito tímido, mas já com intuito de propaganda do desenvolvimento.

As relações internacionais da cultura brasileira se expandiram pelos quatro continentes. Os acordos culturais bilaterais se tornaram muito frequentes nos anos 1970. O Brasil industrial crescia enxergando na cultura um meio de inserção e ao mesmo tempo reafirmação dos valores nacionais em um mundo pós-colonial muito diverso. A globalização trouxe novos desafios e instrumentos de diálogo.

Em 2007, com Gilberto Gil, assumi o cargo de Comissário Geral da Cultura Brasileira no Mundo, com a atribuição de institucionalizar a área no Ministério da Cultura e desenvolver uma política internacional do setor envolvendo todo o sistema MinC. Nasceu daí a Diretoria de Relações Internacionais (DRI).

Foi um passo importante porque até então havia um monopólio do Departamento Cultural do Itamaraty. Órgãos vinculados ao MinC, como o Iphan, tinham ações fragmentadas, ainda que houvesse uma linha mestra ligada à ideia de diversidade cultural, refletida fortemente na atuação exterior do ministério.

Justamente em outubro de 2007, o Brasil foi eleito membro do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco. Desde 1991 não integrávamos este grupo. Foi certamente a vitória mais significativa para que o Rio pudesse agora receber o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, como paisagem.

Infelizmente, nem tudo são flores. No segundo semestre de 2008, o Mercosul Cultural foi na prática quase exterminado pelo Brasil. Foi perdida a oportunidade de se aprofundar laços que não se rompem nem com golpes de estado. Na verdade, serviria também para evitá-los. O Paraguai tinha a nossa maior atenção.

Lembrando Jean Monnet, até mesmo os europeus em crise entendem que a cultura deveria ter sido o primeiro componente da integração regional, em condições de aliviar os sérios problemas do bloco. Ainda é uma incógnita para mim a opção do governo brasileiro de enfraquecer seu braço cultural mais promissor.

Há muito a ser feito. A economia criativa poderia inclusive ser uma das saídas para o processo de desindustrialização em curso no país. O Rio patrimônio da humanidade é exemplo de que investir em ações internacionais de cultura vale a pena. O lugar do Brasil no mundo começa aí.

MARCELO COUTINHO é professor da UFRJ e do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.