Título: Fronteiras sob controle rebelde
Autor: Malkes, Renata
Fonte: O Globo, 20/07/2012, O Mundo, p. 26

Regime amplia bombardeios em Damasco, enquanto oposição toma postos perto de Iraque e Turquia

RIO e DAMASCO

GUERRA CIVIL EM EXPANSÃO

Bashar al-Assad concentrou em Damasco e nos arredores o revide ao letal atentado que matou parte da cúpula de segurança. As forças de segurança lançaram pesados bombardeios contra bairros da cidade, matando ao menos 250 pessoas, segundo ativistas. Tanques foram usados pela primeira vez em áreas como al-Qabun, no Norte de Damasco. E o presidente da Síria também tentou afastar os rumores sobre seu paradeiro com uma rápida aparição na TV estatal, empossando o novo ministro da Defesa, numa demonstração de que o país seguia sob seu controle. Mas o foco do regime na capital abriu brechas longe dali. E permitiu uma vitória aos rebeldes do Exército Livre da Síria (ELS) - a tomada de ao menos três postos de controle nas fronteiras sírias com Turquia e Iraque.

Fotos de Assad teriam sido rasgadas no posto de Abu Kamal, na fronteira com o Iraque, e testemunhas contam ter visto ao menos 22 soldados sírios assassinados pela oposição.

- Os rebeldes sírios tomaram o controle de todas as passagens entre Iraque e a Síria - limitou-se a informar o vice-ministro iraquiano do Interior, Adnan al-Assadi.

Rússia e China vetam ação da ONU

O avanço do ELS deixou à mostra a atual volatilidade do campo de batalha no mesmo dia em que Rússia e China vetaram, pela terceira vez, um anteprojeto de resolução para aplicar sanções à Síria no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas. O ponto nevrálgico do documento é a base do texto, à luz do Capítulo VII da Carta da ONU, que abre as portas a uma intervenção militar.

A ausência de resolução também inviabilizou a extensão do mandato da missão de observadores do mediador Kofi Annan na Síria - levando à estaca zero qualquer manobra diplomática para conter o caos no país. O veto foi considerado "indefensável" pelo chanceler britânico, William Hague. E duramente criticado pela Casa Branca.

- Rússia e China se colocaram do lado errado da História - acusou o porta-voz da Casa Branca, Jay Carney. - Foi um voto lamentável e altamente infeliz.

A paralisia diplomática na sede da ONU contrastava com a rapidez com que rumores - e bombas - atingiam a capital síria. Relatos de massacres perpetrados por milicianos deixaram desertas as ruas do centro da capital. E espalharam horror às vésperas do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos. Ao menos 20 mil pessoas fugiram em direção ao vizinho Líbano somente ontem. Permanecer pode ser, agora a decisão entre vida e morte.

- Durmo no chão, em um quarto de fundos, de apenas quatro metros quadrados, com outras nove pessoas - disse ao GLOBO o ativista Fares Mohammed, dos Comitês de Coordenação Local (LCC), enquanto o ruído de explosões atrapalhava a conversa telefônica. - Até trabalhar está difícil. Perdi o contato com muitas de nossas fontes ao redor de Damasco e Zabadani (na periferia).

Fontes militares sírias advertiram para "48 horas de operações sem nenhuma contenção a fim de limpar Damasco antes do Ramadã". Ontem, batalhas entre dissidentes e soldados do governo teriam ocorrido bem próximo ao centro da cidade, nos arredores do Conselho de Ministros e do quartel-general da polícia, em Qanawat. A ousadia dos rebeldes teria sido possível, segundo ativistas, graças à moral elevada, principalmente, pela chegada de armas como granadas de propulsão (RPG, na sigla em inglês), capazes de infligir danos a tanques e até derrubar helicópteros.

Imagens postadas no YouTube mostravam bairros como Midan completamente destruídos por disparos de artilharia. Em um subúrbio da capital, o motorista Ibrahim, em lágrimas, fez um relato tenso sobre uma violência distinta em seu vilarejo, próximo ao aeroporto de Damasco:

- O Exército varreu ruas de Deraya, bateu de porta em porta e matou quem encontrou pela frente.

Rebeldes do ELS alertaram funcionários da TV e da rádio estatal para saírem de seus prédios antes de um ataque que acabou não ocorrendo. A TV estatal retrucou, alertando a população sobre "homens disfarçados com uniformes do Exército", que estariam planejando ataques contra civis.

As dúvidas sobre o paradeiro do presidente também mobilizaram tímidas rodas de conversas na Cidade Velha de Damasco. E a internet. Boatos de que ele fora ferido foram desmentidos pelas imagens de um Assad aparentemente tranquilo, conversando com o novo ministro da Defesa, Fahd Jassem al-Freij. Mas a aparição não foi capaz de apaziguar as especulações - embora fontes próximas tenham assegurado que ele continua na sede do Executivo, o Palácio de Tishreen. Muitos ativistas insistiam que Assad abandonara a capital e estaria comandando da cidade de Latakia, em uma área predominantemente alauita, na costa síria. Outra fonte de falatório foi a família presidencial: garantia-se que a primeira-dama Asma al-Assad e os três filhos do casal estariam em Moscou, o que já foi desmentido pela Rússia.

Com agências internacionais