Título: Homens são 90% dos assassinados de 0 a 19 anos
Autor: Amorim, Silvia
Fonte: O Globo, 19/07/2012, O País, p. 11

Especialistas alertam para efeitos sobre estrutura das famílias e citam desequilíbrio demográfico na relação entre sexos

SÃO PAULO. Nove em cada dez assassinatos de crianças e adolescentes ocorridos no Brasil nos últimos 30 anos tiveram vítimas do sexo masculino. Estudiosos ouvidos ontem pelo GLOBO avaliaram que esse foi um dos dados mais preocupantes do Mapa da Violência 2012. Entre analistas, o fenômeno ganhou até nome: "homencídio".

O Mapa da Violência, divulgado nesta semana, revelou uma espécie de epidemia de homicídios no país. De 1981 a 2010, o crescimento de mortes na faixa etária de 0 a 19 anos foi de 346,4%, totalizando 1.091.125 de vítimas.

Em percentuais, os assassinatos de adolescentes do sexo masculino destoam. Em 2000 e 2010, os homens representavam 89,3% e 90,2% do total de mortes, respectivamente.

Estudioso das questões demográficas do Brasil, o professor José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE), do IBGE, fez ontem um alerta para o que considera um problema pouco discutido e enfrentado pelas autoridades.

- Vivemos um homencídio. É um aspecto que se fala pouco, mas que tem uma importância muito grande. Ele tem efeitos devastadores na estrutura familiar, na sociedade, na economia e na pirâmide demográfica. Se parar para pensar, é como se tivéssemos uma guerra do Vietnã a cada ano em número de mortos - disse.

Além do trauma familiar e, em casos mais graves, uma desestruturação desses núcleos, a perda dos jovens tem impacto e custo para a sociedade, segundo Alves.

- Essa violência tem feito o Brasil perder parte significativa da sua população economicamente ativa. É muito grave - afirmou, completando: - No Brasil, ao contrário do que a maioria pensa, nascem mais homens do que mulheres. Até a faixa dos 20 anos, mais ou menos, os homens ainda são maioria. A situação se inverte a partir dos 25 anos, quando as mulheres passam a predominar.

A pesquisadora Mary Castro Garcia, especializada em estudos sobre jovens brasileiros, chama atenção para os efeitos no âmbito familiar:

- Boa parte desses jovens já eram pais. Eu me pergunto como isso repercutirá na vida de seus filhos.

Para Mary, outro ponto considerado preocupante é a migração do crime para novos polos no país, como as capitais do Nordeste.

- Houve, ao longo desses anos, uma distribuição desigual das medidas de segurança pública. Investiu-se nos grandes centros, onde a situação era crítica, e esqueceu-se dos demais - diz.

Rio e São Paulo tiveram melhora em seus índices. O Rio tinha a pior taxa de homicídio em 2000 - 25,9 por 100 mil - e em 2010 era o décimo pior. São Paulo registrou a maior queda na taxa de homicídios: 76,1%, entre 2000 e 2010.

O secretário estadual de Segurança Pública de São Paulo, Ferreira Pinto, rechaçou a opinião de especialistas que indicaram a hegemonia de uma facção criminosa como um dos fatores que contribuíram para reduzir a violência:

- É uma leviandade tirar o mérito de políticas públicas. Seria desmoralizar um trabalho de dez anos de enfrentamento do problema. A facção existiu lá atrás. Hoje, está contida.