Título: Combates ao lado do Parlamento
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Fonte: O Globo, 18/07/2012, O Mundo, p. 26

Rebeldes enfrentam Exército a 2km do palácio de Assad e recrutam 2.500 homens para tomar Damasco

DAMASCO

VÍDEOS DIVULGADOS por ativistas denunciam a circulação de tanques do Exército pelas ruas de Damasco: opositores não se intimidam por bombardeios e prometem luta definitiva pelo controle da capital da Síria

A sequência de ofensivas rebeldes pontuais e revides militares embalados pela artilharia de canhões, tanques e helicópteros se espalhou ontem por novos pontos de Damasco. Testemunhas denunciavam confrontos em vias importantes, como a Rua Bagdá, no Norte, nos arredores do Parlamento, a 2km do palácio presidencial, e até do Banco Central. E no terceiro dia da violência que ameaça devastar a capital, os opositores do Exército Livre da Síria (ELS) descortinaram sua estratégia para "a liberação de Damasco" - 2,5 mil homens mobilizados para o que consideram a ofensiva final contra o regime autoritário do nacionalista Partido Baath. E do presidente Bashar al-Assad. A começar por edifícios estatais civis e militares.

As colunas de fumaça negra que emergiram de vários pontos da cidade apagaram ontem todos os esforços diplomáticos para impedir a violência na Síria. O medo da violência na capital de 2,5 milhões de habitantes aumentou na mesma medida que os rumores de uma escalada. De Israel, saiu a informação de que Assad removera tropas do Exército baseadas nas disputadas Colinas de Golã para reforçar seu poderio militar em Damasco. Opositores também prometiam enfrentamentos. Clamaram a derrubada de um helicóptero do regime em al-Qabun e asseguraram ter assumido o controle de bairros como al-Midan, no centro de Damasco - algo rejeitado, mais tarde por ativistas nas redes sociais e pelos próprios integrantes do ELS.

Tensão extra antes do início do Ramadã

A guerra de nervos foi alimentada pela dissidência. O porta-voz do ELS, coronel Qassem Saadeddine, revelou que os ataques contra a capital síria foram arquitetados com antecedência. Segundo ele, nos últimos dez dias, 2,5 mil combatentes de diversas províncias sírias chegaram à capital. Outros estariam por chegar para a ação que a oposição decidiu chamar de "vulcão de Damasco" e "terremoto sírio".

- Não vamos voltar atrás. A batalha de Damasco é prioridade para nós. Mandamos pelo menos 50 grupos, cada um com cerca de 50 combatentes, e vamos atacar prédios estatais da segurança. Os conselhos militares estão coordenados. Não vamos parar, não há volta - desafiou Saadeddine.

Vídeos postados na internet por ativistas mostravam jovens escondidos atrás de barricadas, lançando granadas de propulsão e fazendo disparos de metralhadora, sobretudo no bairro de al-Midan, o mais atingido pelos confrontos de ontem. A região é sensível por abrigar a estrada que conecta a capital ao aeroporto de Damasco e a rodovia que leva à Jordânia. O subchefe da subdiretoria da Polícia de Damasco, Issa Duba, teria sido morto nos confrontos de al-Midan, um reduto sunita de classe média.

Foi esse também o palco escolhido para o contra-ataque da propaganda estatal. Segundo a agência Sana, "terroristas armados" estariam atuando no bairro, tendo atacado uma subestação elétrica e causando "enormes perdas financeiras". O regime também acenou com uma medida populista, e Assad baixou um decreto presidencial concedendo bolsas de estudo universitárias a todos os familiares de "mártires mortos em operações militares".

Segundo moradores, os bairros atingidos pelos confrontos têm sido isolados pelas forças de segurança. Ontem, funcionários do governo teriam sido dispensados do serviço mais cedo, como os do jornal estatal Tishreen. A tensão é exacerbada, ainda, pela proximidade do Ramadã - o mês sagrado dos muçulmanos, que começa na próxima sexta-feira.

- Com os tanques cercando os bairros, está ficando mais difícil para as pessoas fugirem - contou Dima, uma moradora de al-Qabun que conseguiu escapar ontem para "uma área mais segura de Damasco".

Apesar do otimismo e do discurso desafiador, o ELS, porém, sabe de suas limitações, sobretudo logísticas. Faltam armas capazes de fazer frente às Forças Armadas - e à poderosa Guarda Republicana, a tropa de elite comandada pelo irmão do presidente, Maher al-Assad, responsável pela defesa da capital síria.

- Na verdade, a batalha não começou - admitiu Abu Raed, um coordenador do ELS em al-Qabun. - Agora há mais um fluxo e refluxo; essas escaramuças são apenas um teste, enquanto nossos combatentes se infiltram e recuam.

Sob toda a incerteza - e a paralisia diplomática -, a ONU anunciou que o número de refugiados sírios triplicou desde abril e chega a quase 112 mil pessoas. Somente na última noite, ao menos 1.280, incluindo um general, cruzaram a fronteira em direção à Turquia, de acordo com o jornal "Zaman".

E enquanto os observadores das Nações Unidas seguem presos em seus quartos de hotel em Damasco devido à falta de um cessar-fogo, o organismo tentou esboçar uma reação: despachou o secretário-geral, Ban Ki-moon, para a China e o mediador Kofi Annan para Rússia. Tudo para tentar convencer os dois países a apoiarem uma resolução capaz de condenar o governo sírio pela violência e estender o mandato da missão de observação, parada há um mês. O Conselho de Segurança deve tentar votar o documento ainda hoje. Moscou mandou uma mensagem conciliatória.

- Não vejo motivo para não podermos chegar a um consenso no conselho - afirmou o chanceler russo, Sergei Lavrov.

As divergências, desta vez, giram em torno da menção no texto ao artigo 7 da carta das Nações Unidas, permitindo sanções à Síria, sem descartar uma ação militar. Annan adotou um tom mais evasivo. Talvez cético.

- Tivemos uma discussão muito boa - limitou-se a dizer após o encontro no Kremlin.