Título: Síria mostra limites da diplomacia
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Fonte: O Globo, 18/07/2012, Opinião, p. 6

A situação se agrava na Síria. Os combates na capital, Damasco, entraram, ontem, no terceiro dia. Testemunhas relataram choques entre rebeldes e forças do governo próximos ao Parlamento. As deserções entre militares continuam. Informações da Turquia dão conta que mais um general e outros oficiais estavam entre os 1.280 sírios que fugiram para aquele país na noite retrasada. A ONU anunciou que o número de refugiados sírios triplicou desde abril e já chega a quase 112 mil.

O governo do Iraque pediu que milhares de seus cidadãos que vivem na Síria retornem devido à escalada de violência na nação vizinha. Dezenas de milhares de iraquianos fugiram para a Síria durante o período mais duro da invasão americana, que derivou numa guerra sectária entre xiitas e sunitas. Mas a Síria de hoje está mais perigosa que o Iraque.

Recado assustador partiu da Casa Branca ao governo sírio: Damasco é responsável pela salvaguarda de suas armas químicas. Foi provocado por informações de que a ditadura Bashar Assad estaria movendo armas químicas de lugar, sem deixar claro se é uma precaução - para evitar que caiam na mão dos rebeldes, por exemplo - ou se teria outra finalidade, como privar o Ocidente de um argumento para intervir no país, supostamente para evitar que material sensível caia em mãos indevidas.

Nos 16 meses de conflito, mais de 17 mil pessoas morreram. Assad é líder de uma ditadura do partido árabe Baath (o mesmo de Saddam Hussein) que se apoia na minoria religiosa alawita (ramo do xiismo), 10% da população do país. O ditador, como seu pai, Hafez, é um homem duro que não faz concessões, não pensa em renunciar e não hesita em bombardear áreas civis, seja para desalojar rebeldes, seja para efeito de limpeza étnica contra os sunitas.

O jornal "El Pais" levantou a possibilidade de, em última instância, o governo e a população alawita se deslocarem para o Noroeste do país, levando boa parte das armas do Exército, para formar um enclave. Seria um movimento às avessas do executado por potências coloniais de juntar povos de diferentes etnias e religiões em países com fronteiras traçadas artificialmente. No caso da Síria e do Líbano, a França.

Os dois principais diplomatas envolvidos continuam trabalhando intensamente. Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, foi a Pequim tentar convencer o governo chinês a desobstruir uma resolução do Conselho de Segurança criando novas e mais duras sanções contra a ditadura Assad e autorizando ações para colocá-las em prática. Mau presságio: o jornal oficial "Diário do Povo" continua defendendo uma solução política, sem uso da força. Kofi Annan, antecessor de Ban na ONU e autor do único plano para um cessar-fogo, foi a Moscou pedir o mesmo ao presidente Putin.

O Conselho de Segurança vota hoje o projeto de resolução que autoriza medidas mais duras contra Assad. Deverá ser mais do mesmo: vetos de Rússia e China. Enquanto isso, a guerra civil chegou a um ponto sem retorno e deverá ser decidida no campo de luta. Morrem rebeldes e soldados, é certo, mas morrem ainda mais civis, cujo martírio deve ser debitado na conta de Moscou e Pequim.