Título: Delta cresce de importância na CPI
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Fonte: O Globo, 18/07/2012, Opinião, p. 6

Grampo eletrônico se tornou tão comum em investigações policiais - e não apenas nelas - que há sempre o risco de conversas entre suspeitos entrarem em inquéritos como se fossem provas definitivas de delitos. A banalização da escuta parece acompanhar a expansão do uso das telecomunicações no país. Cabe à Justiça coibir os abusos. Mas não se deve menosprezar a validade dessas gravações para conduzir o trabalho de inspetores, procuradores, promotores e juízes.

Neste caso, se inclui o material publicado no fim de semana pela revista "Época" retirado de um relatório enviado pela Polícia Federal à Procuradoria-Geral da República. Com 73 páginas e 169 diálogos gravados, o relatório traça o enredo da confusa operação de venda da mansão do governador de Goiás, Marconi Perillo, em que se envolveram o contraventor Carlinhos Cachoeira, empresas laranjas, a empreiteira Delta e dois conhecidos personagens deste escândalo: outro tucano, Wladmir Garcez, ex-presidente da Câmara de Vereadores de Goiânia, e Cláudio Abreu, diretor da Delta na região.

O relatório desfaz a confusão, e dele não sai bem o governador. Em linhas gerais, na versão da PF, sustentada por sugestivos diálogos grampeados, Perillo vendeu a casa a Cachoeira, em cujo preço foram incluídos R$ 500 mil, pagos pela Delta e entregues ao governador para facilitar a liberação de pagamentos do estado à empreiteira.

Caso indiscutível de corrupção, com a criação de dificuldades para a venda de facilidades. Há idas e vindas, pressões sobre Perillo feitas por Cachoeira via Garcez, contatos com Cláudio Abreu para fazer o pagamento, o uso de empresas-fantasmas, quase um roteiro de novela sobre golpistas de colarinho branco.

Destaca-se, no relatório, o trabalho de Cachoeira a serviço da Delta, para apressar a caneta do governador. Na edição de ontem do GLOBO, mais grampos desvendaram outro aspecto da atuação do contraventor junto à empreiteira e ao governo de Perillo. Há referências de Cachoeira ao pagamento de despesas de secretários do governo Perillo, com dinheiro também da Delta, e a irritação dele por não conseguir fazer nomeações na administração do tucano. Nada cheira bem.

Por inevitável, as revelações acirram o uso da CPI, em recesso junto com o Congresso, na luta político-partidária entre PT e oposição (PSDB à frente). Jilmar Tatto (SP), líder do PT na Câmara, já defendeu o encaminhamento do impeachment de Perillo pela Assembleia Legislativa de Goiás. Em resposta, o PSDB, em nota oficial, ontem, acusou, mais uma vez, "o direcionamento e parcialidade do PT no comando das investigações da CPI do Cachoeira", e fez defesa vigorosa do governador.

Para os tucanos, querem atingir Perillo a partir de diálogos grampeados entre Cachoeira e Garcez, pessoas, segundo o partido, sem qualquer poder real junto ao governador. Pode ser, mas a cada vazamento das investigações fica mais patente que a CPI precisa sair do atoleiro político-partidário em que foi jogada.

Também a cada revelação cresce o papel da Delta no esquema Cachoeira. Até se achou que o contraventor poderia ser um sócio oculto de Fernando Cavendish na empreiteira, tal o envolvimento dele com a empresa. Vasculhar a contabilidade da Delta, cruzar os dados abertos pela quebra de sigilos dela é cada vez mais vital para impedir que este escândalo se perca nos desvãos da impunidade.