Título: Emenda com muitos entraves
Autor: Almeida, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2009, Política, p. 8

Projeto que aumenta o número de cadeiras nas câmaras municipais do país pode criar uma série de problemas de ordem jurídica caso entre em vigor imediatamente

Veloso defende que a decisão não foi tomada em prol da nação, mas em benefício de alguns políticos

Mudança nos coeficientes eleitorais, quebra das regras estabelecidas nas eleições, perda de mandatos, brigas judiciais. Esses são apenas alguns dos entraves apontados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para a entrada imediata em vigor da PEC dos Vereadores (a de nº 336/09), que aumenta em 7.343 o número de cadeiras nos legislativos municipais, promulgada quarta-feira no Congresso.

Segundo o presidente da OAB, Cezar Britto, o maior problema é mesmo o fato de que a emenda, colocada em prática antes do pleito municipal de 2012, promoveria uma espécie de eleição indireta, com o novo cálculo do coeficiente eleitoral e a entrada de novos vereadores nas câmaras sem o voto popular. ¿A consequência pior é trazer um precedente perigoso para o regime democrático nas eleições. Daí, vamos poder aumentar as cadeiras de deputados e senadores ao bel prazer do Legislativo.¿

Na visão do ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Veloso, como não existem ¿vereadores suplentes, mas suplentes de vereador¿, os parlamentares não poderiam ser empossados por direito. ¿Ele não foi eleito vereador pelo voto popular. Está ali para servir às câmaras em caso de morte ou de renúncia. Ao criar-se uma vaga, por não ser vereador suplente, mas suplente de vereador, configura-se eleição indireta¿, explica.

Há ainda a questão do inchaço nas câmaras. Muitos presidentes dos legislativos nos municípios do estado afirmam que o aumento nas vagas, com a redução no repasse de receita pelas prefeituras, significaria um complicado desequilíbrio orçamentário. Para os defensores da PEC, apesar do aumento no número de parlamentares, o menor repasse promoveria um enxugamento nos gastos. Veloso, no entanto, lança dúvidas quanto ao argumento. ¿Há sinceridade nisso? Se está aumentando o quadro (de vereadores), como diminui a despesa?¿

A medida, para Veloso, pode significar uma manobra política do Congresso, no sentido de angariar o apoio dos vereadores empossados, que utilizariam suas bases eleitorais para conseguir votos aos defensores da PEC nas eleições a deputado federal e estadual em 2010. ¿A decisão não foi tomada em benefício da nação ou do povo, mas sim em benefício de alguns. Sob o ponto de vista político, essa é uma atitude muito infeliz do Congresso, enquanto devia votar matérias mais austeras. Parece um trem da alegria.¿

Justiça

Outro impedimento apontado pela OAB seria a perda de mandato dos vereadores eleitos em 2008 pela alteração no resultado do cálculo do coeficiente eleitoral ¿ segundo o qual muitos partidos que não tiveram direito a vagas nas câmaras ganhariam cadeiras agora ¿ para dar lugar aos novos parlamentares. ¿Eles tinham direito de permanecer, porque tomaram posse legitimamente¿, defende Britto. Esses vereadores poderiam, ainda, reclamar na Justiça a ¿devolução¿ dos mandatos, uma vez que foram eleitos democraticamente, por eleições diretas.

Do seu lado, os suplentes empossados, ao assumirem as respectivas vagas nos legislativos, poderiam reivindicar juridicamente os salários retroativos. Segundo a interpretação da OAB, apesar de dificilmente ações desse tipo serem julgadas procedentes, a alegação é possível. ¿Se ele disser que a PEC retroagiu, pode reclamar o direito aos salários. E alguns dos nossos representantes têm tamanho apego às coisas públicas que a tomam por suas¿, diz Britto.

Sob o ponto de vista político, essa é uma atitude muito infeliz do Congresso. Parece um trem da alegria¿

Carlos Veloso, ex-ministro do STF

A consequência pior é trazer um precedente perigoso para o regime democrático nas eleições¿

Cezar Britto, presidente da OAB

Problemas à vista

Impedimentos e consequências da proposta nesta legislatura

Retroatividade

A Constituição estabelece que as regras eleitorais, para valerem em uma eleição, precisam ser aprovadas um ano antes, o que inclui, por exemplo, o número de vagas das cadeiras nas câmaras municipais.

Mudança do coeficiente eleitoral

A PEC não muda o cálculo do coeficiente, mas muda os dados. No coeficiente eleitoral, é calculado o número de votos válidos pelo número de vagas. Ao aumentar o número de vagas, o coeficiente eleitoral diminui. Logo, partidos que antes não tinham vagas, agora podem ter direito a novas cadeiras.

Perda de mandatos

Para dar lugar aos vereadores que entram na mudança do coeficiente, vereadores devidamente eleitos têm de sair e perdem seus mandatos.

Brigas judiciais

Por sua vez, vereadores que tenham perdido seus mandatos podem entrar na Justiça sob a alegação de que foram eleitos legitimamente, de acordo as regras eleitorais definidas antes da PEC.

Salários retroativos

Juridicamente, é possível que os novos vereadores entrem com ações exigindo na Justiça os salários não recebidos à época em que não estavam empossados, alegando a retroatividade da PEC.

Inchaço nas câmaras

Falta de espaço físico e dificuldade no equilíbrio orçamentário com o aumento de custos com salários e a queda no repasse das prefeituras pela PEC são os principais problemas apontados pelos presidentes de câmaras.