Título: Certificado deve ser criado para comprovar repartição de benefícios
Autor: Fariello, Danilo
Fonte: O Globo, 23/07/2012, Economia, p. 20
Protocolo de Nagoia prevê documento, a exemplo da exploração de diamantes
Entrevista/Bráulio Dias
BRASÍLIA. O secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD, na sigla em inglês), Braulio Dias, trabalha para que, no futuro, as empresas que usarem patrimônio genético tenham de comprovar ao consumidor a parte do seu lucro que será dividido com os países de origem. Isso poderá ser feito por um certificado, a exemplo do Kimberley, que prova a origem lícita e moral dos diamantes, ou o FSC, para a madeira. Dias era secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente até ser levado no ano passado à CBD, a guardiã do Protocolo da Nagoia, que vai definir regras para o combate mundial à biopirataria. Ele falou ao GLOBO por telefone, de Montreal, Canadá, onde é a sede da entidade.
O GLOBO: Por que o acesso à biodiversidade se transformou em uma discussão no âmbito mundial?
BRAULIO DIAS: Havia um debate global sobre conservação ambiental, mas no início dos anos 1990 alguns países em desenvolvimento, como o Brasil, a Índia e a Malásia, lutaram para assegurar um retorno dos resultados econômicos da biodiversidade para os países de origem. Isso porque se reconhecia haver grande assimetria internacional entre quem tinha biodiversidade e quem tinha capital e tecnologia para se beneficiar disso. O resultado foi uma norma de repartição justa e equitativa dos resultados da exploração de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados pelo Protocolo de Nagoia, em 2010.
Por que isso surgiu só nos últimos anos?
DIAS: No passado, todos os países foram usuários de biodiversidade e nem sempre esse acesso foi feito nas melhores condições. Todos os países têm um pouco de culpa no cartório. Em 1992, a Convenção sobre Biodiversidade reconheceu a soberania dos países sobre seus recursos naturais, contradizendo a ideia de que são bens da Humanidade. O problema era como implantar, porque os detalhes não eram claros para ninguém e havia receio de se ferir direitos de propriedade intelectual, o que leva os Estados Unidos a não ratificar até hoje a Convenção, e por isso empresas fizeram corpo mole de lá para cá, como muitas farmacêuticas. Com o Protocolo de Nagoia, que ainda deve ser ratificado por pelo menos 50 países, cria-se um padrão internacional para isso. A minha previsão é de que, até outubro de 2014, todas as ratificações já sejam obtidas.
Quem diz se uma planta é ou não nativa de determinado país?
DIAS: Há muitas discussões nesse sentido. Isso privilegia países que investem mais em ciência e com maior conhecimento sobre sua biodiversidade e, portanto, têm mais condições de se defender.
Qual a melhor forma de combater os biopiratas?
DIAS: A dificuldade é que quando essa pessoa sai de um país, a lei nacional não o alcança mais. O Protocolo de Nagoia vem resolver isso, porque implica obrigações para os países usuários dos produtos, que têm de comprovar que a origem do material teve permissão emitida no país de origem, com repartição dos benefícios.
É possível se criar um selo que assegure o respeito à repartição de benefícios, como existe para a exploração sustentável da madeira ou na extração de diamantes?
DIAS: Sim, Nagoia prevê um certificado internacional de acesso. Nós vamos detalhar isso nas próximas negociações, mas a autoridade do país de origem vai emitir esse certificado, que não será voluntário, como para madeiras, mas obrigatório.