Título: A vez da ameaça química
Autor:
Fonte: O Globo, 24/07/2012, O Mundo, p. 26

DAMASCO

COMBATENTES DO Exército Livre da Síria (ELS) desafiam soldados do regime em Aleppo: foco dos confrontos armados foi transferido para a cidade, e governo da Síria garante ter retomado o controle de Damasco

UMA REFUGIADA síria espera com os filhos junto a um posto de imigração no território libanês: Chipre prepara plano de ajuda

Bulent Kilic/AFP

Bilal Hussein/AP

Os choques entre governo e oposição se concentraram em Aleppo, a segunda maior cidade da Síria. Mas entre os relatos da violência que tomou a região Norte, saiu da capital, Damasco, a informação que mais preocupou a diplomacia internacional ontem: a admissão, por parte do regime de Bashar al-Assad, de que a Síria tem armas químicas. E prontas para serem usadas em caso de uma intervenção estrangeira no país, conforme advertiu o porta-voz da Chancelaria síria, Jihad Makdissi.

Tanto o presidente americano, Barack Obama, quanto o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se apressaram em condenar a hipótese do uso de armamentos não convencionais no conflito.

- Vamos seguir deixando claro a Assad e aqueles a seu redor que o mundo está observando, e eles serão responsabilizados se cometerem o terrível erro de usar essas armas - declarou Obama.

Em visita à Sérvia, Ban completou:

- Seria repreensível se qualquer um na Síria usasse armas de destruição em massa.

O responsável pela ameaça foi o porta-voz sírio Jihad Makdissi. Pressionado pelos crescentes rumores de que o Exército estaria transferindo estoques de armas químicas para diversas cidades, ele declarou que o regime "somente as usaria em caso de uma agressão externa". Pela primeira vez o país árabe - que não é signatário da Convenção de Armas Químicas (CWC) de 1992 - admitiu ter esse tipo de equipamento. As palavras dele foram interpretadas como uma declaração explícita de posse.

- Quaisquer estoques de armas químicas que possam existir jamais serão usados contra o povo sírio - assegurou o porta-voz. - Em caso de uma agressão externa, os generais vão decidir quando e como usá-las.

Chipre faz plano para refugiados

Makdissi anunciou que o Exército retomara o controle de Damasco e assegurou que a rotina seria restabelecida "em poucos dias". E ele também advertiu para a hipótese de "agentes estrangeiros armarem terroristas com armas químicas":

- Elas podem explodir, por exemplo, numa vila para que as forças de segurança da Síria sejam culpadas.

Segundo o site GlobalSecurity.org, que coleta dados de inteligência, há ao menos quatro supostos locais de armas químicas na Síria: ao Norte de Damasco, perto de Homs, em Hama e perto da litorânea Latakia.

Diante das reações negativas, o ministro sírio da Informação, Omran al-Zoubi, negou a posse de armas não convencionais, ressaltando que a Síria vem "trabalhando pelo desarmamento na região há duas décadas".

- Interpretaram a resposta como se estivéssemos admitindo a posse de armas químicas. Esses são os desejos e obsessões deles (Estados Unidos e Israel), mas o significado tem todo um outro contexto - afirmou al-Zoubi à agência Sana.

No campo de batalha, combatentes do opositor Exército Livre da Síria (ELS) alardearam a tomada de ao menos cinco bairros de Aleppo. As forças de segurança do regime reagiram com a artilharia pesada de tanques e helicópteros, e ativistas denunciaram ao menos 111 mortes.

Mas foi o aumento do número de refugiados - que já chegam a 115 mil - que preocupou a Europa. Separado da Síria por apenas 170 km no mar, Chipre, país mais próximo e hoje na presidência da União Europeia (UE), apresentou o rascunho de um plano de contingência para o caso da fuga de até 200 mil pessoas.

- A situação lá é horrível e está mudando a cada hora - admitiu a comissária para os Assuntos Internos da UE, Cecilia Malmstrom.

Milhares de sírios fogem com o mínimo pelas fronteiras de Turquia, Iraque e Líbano. Mas, na cosmopolita Beirute, chamam a atenção as muitas placas de carros do país vizinho junto a restaurantes caros. Sinais da presença de uma elite atingida na semana passada.

- Não tem nada acontecendo na Síria. Viemos passar férias de seis dias em Beirute - despistou o motorista de um carro de luxo, com a placa de Damasco.