Título: A fatura do crescimento
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2009, Economia, p. 14

Multinacionais ganham mais no Brasil, ampliam envio de lucros para o exterior e aceleram aumento do deficit das contas externas

Alta do emprego e da renda estimula brasileiros a viajar para o exterior: gastos deverão superar as receitas com turistas estrangeiros em US$ 4,5 bilhões

A retomada do crescimento econômico já está mostrando a sua fatura nas contas externas brasileiras. Tanto que o Banco Central foi obrigado a rever a projeção de deficit para este ano nas transações correntes do país com o exterior e a prever um rombo ainda maior para 2010, quando se espera que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça entre 4,5% e 5%. Segundo o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, em vez de US$ 15 bilhões, o rombo de 2009 ficará em US$ 18 bilhões. Para o ano que vem, o buraco nas transações correntes será 61% maior, chegando a US$ 29 bilhões.

Ele ressaltou que, neste ano, dois fatores serão preponderantes para o aumento do deficit nas transações correntes. Primeiro: o volume maior de remessas de lucros e dividendos, pois as multinacionais instaladas no país estão ampliando seus ganhos em função da atividade mais forte. Além disso, como o dólar está em baixa, com mais reais em caixa poderão engordar ainda mais os cofres de suas matrizes. Nos cálculos do BC, as remessas fecharão 2009 em US$ 22,3 bilhões ante os US$ 17 bilhões previstos há um mês.

O segundo fator está associado à alta do emprego e da renda, estimulando as viagens de brasileiros para o exterior. Os gastos deverão superar as receitas com turistas estrangeiros no país em US$ 4,5 bilhões em vez dos US$ 3 bilhões previstos anteriormente. ¿Também nessa conta estamos considerando as cotações mais favoráveis do dólar¿, disse Altamir. Ele ressaltou, porém, que o impacto total do aumento das remessas de lucros e dos gastos com viagens sobre as transações correntes será, em parte, compensado pelo saldo comercial maior do que o imaginado: US$ 27 bilhões ante US$ 20 bilhões. É que as importações ainda não responderam à reação da atividade, pois os investimentos produtivos, que envolvem a compra de máquinas e equipamentos, não decolaram.

Em 2010, contudo, as importações darão um salto substancial, de US$ 125 bilhões para US$ 148 bilhões, reduzindo o saldo comercial de US$ 27 bilhões para US$ 19 bilhões. Já as remessas de lucros somarão US$ 26 bilhões e o rombo na conta viagem, US$ 5 bilhões. ¿Por isso, a piora substancial nas transações correntes¿, disse o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. ¿É o preço a ser pago pelo crescimento. Mas, em princípio, não vejo nada de preocupante. Tanto neste ano quanto em 2010, o déficit nas contas externas será financiado tranquilamente pelos investimentos estrangeiros diretos (voltados para a produção e o emprego) e pelas aplicações em ações e em títulos públicos¿, acrescentou o economista-chefe do Banco Schahin, Sílvio Campos Neto.

Pré-sal

Por cautela, já que o mundo ainda não conseguiu se recuperar do terremoto provocado pelo estouro da bolha imobiliária americana, o BC não mudou as estimativas para os investimentos estrangeiros diretos (IED) neste ano. Continua apostando em um ingresso de US$ 25 bilhões. Para as aplicações em ações e em títulos públicos, no entanto, as projeções saltaram de US$ 3 bilhões para US$ 22 bilhões, dos quais US$ 17 bilhões entraram no país até agosto. No próximo ano, já com a economia mundial em crescimento, o BC projeta investimentos diretos de US$ 38 bilhões, volume que tende a aumentar a partir de 2011 com as licitações para a exploração de petróleo na camada do pré-sal.

¿Do ponto de vista das contas externas, posso dizer que voltamos à normalidade¿, afirmou Altamir, lembrando que, para 2010, a previsão é de investimentos de US$ 15 bilhões no mercado acionário e em títulos públicos, saldo que pode ser maior devido à volta maciça de lançamentos de ações (IPOs, na sigla em inglês). O Banco Santander, por exemplo, está fazendo uma emissão de R$ 15 bilhões, a maior do mundo no momento. ¿Com certeza, o Brasil ampliará a sua participação nos investimentos estrangeiros que circulam pelo mundo¿, ressaltou Luís Otávio Leal.

É o preço a ser pago pelo crescimento. Mas, em princípio, não vejo nada de preocupante¿

Sílvio Campos Neto, economista-chefe do Banco Schahin

Aposta no real

Os bancos estão apostando na queda do dólar frente ao real. Para isso, ampliaram, entre agosto e ontem, de US$ 1,140 bilhão para US$ 5,214 bilhões as posições vendidas em moeda americana. Isso significa que as instituições venderam dólares no mercado mesmo sem tê-los em caixa, acreditando que poderão recomprar as divisas a preços mais baixos no futuro. São essas operações que vêm sustentando, em parte, a queda de 5% do dólar neste mês. A moeda encerrou a quinta-feira cotada a R$ 1,799 para venda.

Na avaliação do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal, não dá para atribuir toda a baixa às apostas dos bancos. ¿Mas, com certeza, esse movimento especulativo tem contribuído para a perda de valor do dólar¿, afirmou. Essa posição se sustenta no fato de, em setembro, o fluxo de dólares para o Brasil estar negativo em US$ 991 milhões e de o Banco Central ter comprado, desde o início o mês, US$ 2,819 bilhões para tentar segurar os preços da moeda.

Pela lógica, em um mercado sem especulação, com o fluxo negativo e o BC comprando divisas, as cotações do dólar deveriam, no mínimo, ficar estáveis. Mas, ao venderem dólares sem tê-los em caixa, os bancos criam um excesso de oferta, jogando os preços para baixo. Os bancos se arriscam para ganharem duas vezes: uma se conseguirem recomprar dólares a preços abaixo do que venderam, outra, aplicando o dinheiro no mercado interbancário enquanto não repõem as posições vendidas. (VN)

Reapatriação de dólares

Victor Martins

O dinheiro brasileiro enviado ilegalmente ao exterior pode voltar em breve para casa. Foi aprovado na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados um projeto de lei (PL) que repatria esses recursos. De autoria do deputado federal José Mentor (PT-SP), o PL 5228/05 chega à Comissão de Constituição e Justiça em caráter terminativo. Se aprovado na nova instância, irá direto ao Senado. Com a medida, estima-se que cerca de R$ 80 bilhões voltem ao Brasil ¿ o valor é apenas 53% do que deve haver fora do país, calculado em R$ 150 bilhões.

Após quatro anos na comissão, os deputados aprovaram o projeto com algumas alterações. As mais importantes dizem respeito às alíquotas de imposto cobradas sobre os valores que retornarem. A proposta original obrigava pagamento de 3% para os valores repatriados e 10% para os que fossem apenas legalizados e permanecessem no exterior. Com as alterações, as taxas mudam para 6% e 15%. ¿Foi trabalhoso mas chegamos a um denominador. Essa foi a alteração mais expressiva. O resto eram coisas que se repetiam ao longo do texto¿, disse José Mentor.

Segundo o deputado relator do projeto, Aelton Freitas (PR-MG), o retorno desse dinheiro será benéfico para a economia. ¿Se colocarmos R$ 80 bilhões vai melhorar a vida dos brasileiros com um dinheiro que está lá fora e que não ajuda ninguém¿, avaliou o deputado. Os críticos da ideia afirmam que junto de recursos que foram para fora ilegalmente por problemas econômicos ou cambiais virá o dinheiro do tráfico e de outros crimes. O criador do projeto rebate: ¿Ainda não existe repatriação e o dinheiro do trafico está entrando e saindo do mesmo jeito. Quem cometeu esse tipo de crime não vai se legalizar¿, afirmou. ¿Uma parte do dinheiro que não é de crime já está aqui. Vem por meio de offshore (contas e empresas abertas em paraísos fiscais) como recurso estrangeiro¿, emendou. Um projeto semelhante, do senador Delcídio Amaral (PT-MS), deve ser votado até o fim de setembro.

O número Exterior US$ 150 BI Valor total do dinheiro enviado por brasileiros a países estrangeiros