Título: Guerrilha na disputa por bairros de Damasco
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Fonte: O Globo, 21/07/2012, O Mundo, p. 33

Bombardeios dão a forças do governo retomada do controle de Midan; mais um general morre em decorrência de atentado

DAMASCO e NOVA YORK . O Conselho de Segurança da ONU conseguiu aprovar ontem a extensão da missão de observadores na Síria por mais 30 dias - mas sob uma violência ascendente no país. O atentado que dizimou parte do comando militar do governo de Bashar al-Assad fez ontem a sua quarta vítima. O chefe da Segurança Nacional da Síria, general Hisham Ikhtiyar, não resistiu aos ferimentos provocados pela explosão da última quarta-feira e morreu num hospital de Damasco. E enquanto o regime mantinha as promessas de "limpar" a capital de opositores, ativistas denunciaram a morte de ao menos 170 pessoas em bombardeios e incursões militares contra bairros residenciais, como Midan, onde opositores e forças de segurança do regime travavam batalhas homem a homem - a eclosão de uma guerra de guerrilha na capital síria.

O medo da violência e os relatos da tomada de postos de controle pelos rebeldes do Exército Livre da Síria (ELS) ao longo das fronteiras com Turquia e Iraque também aceleraram um processo de fuga em massa do território sírio. Segundo a ONU, entre 8.500 e 30 mil sírios fugiram do país nos dois últimos dias. O destino principal é o vizinho Líbano - uma vez que, segundo testemunhos, a estrada que liga Damasco a Beirute ainda está aberta e oferece alguma segurança aos viajantes.

- As fronteiras estão abertas e as pessoas continuam chegando à Jordânia, à Turquia, ao Líbano e cada vez mais ao Iraque - disse em Genebra Melissa Fleming, porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

Iraquianos viram refugiados por duas vezes

O conflito, aliás, teve um enorme impacto sobre a população iraquiana radicada na Síria - estimada em quase um milhão de pessoas, muitas das quais já eram refugiadas da Guerra do Iraque. E acabaram ameaçadas novamente.

- Cerca de 80 ônibus levando refugiados iraquianos cruzaram da Síria para o Iraque nos últimos dias. Também ouvimos relatos de que o governo de Bagdá enviou dois aviões iraquianos para evacuar seus cidadãos - afirmou Melissa.

Segundo a ONG Observatório Sírio de Direitos Humanos, ao menos 470 pessoas foram mortas em apenas dois dias na Síria. Ontem, foram registradas 170, sendo 50 vítimas somente em Damasco.

Tiros, devastação e muitos rumores sugeriam uma verdadeira guerra de guerrilha no perímetro urbano - sobretudo no bairro de Midan, na região central da capital, a área mais atingida pelos confrontos. Após horas de disparos de tanques e perseguição nas ruas, as Forças Armadas alegaram ter retomado o controle do bairro, uma zona residencial predominantemente sunita. Durante todo o dia, a TV estatal mostrou repetidas imagens dos corpos do que chamou de "terroristas armados" mortos pelo Exército de Assad.

A mídia estatal também exibiu as primeiras imagens dos funerais dos membros da cúpula do regime mortos no atentado de quarta: o ministro da Defesa, general Daoud Rajha, o cunhado de Assad, Assef Shawkat, e o general Hassan Turkmani, um ex-ministro e conselheiro do governo para assuntos de segurança. O presidente não compareceu, mas a agência Sana assegurou que o vice-presidente Farouq al-Sharaa e o novo titular da Defesa, general Fahd al-Freij, participaram das cerimônias e lamentaram a morte do general Hisham Ikhtiyar, chefe da Segurança Nacional.

"A liderança do partido Baath oferece condolências ao povo pela morte de seu companheiro, que sucumbiu aos seus ferimentos antes do meio-dia", informou a TV síria.

Os rebeldes do ELS, por sua vez, planejavam os próximos passos depois de atacar duas delegacias. Em Midan, ativistas garantiram que o recuo foi estratégico.

- Nós sempre fazemos recuos táticos para que não haja confrontação cara a cara. É como uma guerra de gângsters. Recuamos para que possamos atacar outro lugar ou planejar um ataque a postos de controle do regime - explicou o combatente identificado como Mohammed, da brigada Águias de Damasco.

Como a maioria dos rebeldes, ele tem apenas armas leves, rifles e granadas de propulsão (RPG, na sigla em inglês) - o que causa estragos nas forças do governo, mas deixa a oposição indefesa quando o contra-ataque vem através de tanques e helicópteros.

A eclosão da guerrilha urbana preocupou. Mas não foi o bastante para a criação de consenso sobre uma punição internacional no âmbito do Conselho de Segurança da ONU. Depois de mais um veto de China e Rússia a um anteprojeto condenando a Síria, as 15 potências conseguiram aprovar uma resolução para prorrogar a missão dos 300 observadores das Nações Unidas no país "por uma última etapa de 30 dias".

- A decisão tomada hoje permitirá à UNSMIS (nome da missão) se retirar de maneira segura e ordenada - afirmou a embaixadora americana na ONU, Susan Rice. - No improvável caso de a situação na região mudar, o governo sírio suspender o uso de armamento pesado e o nível de violência diminuir para que a UNSMIS opere com liberdade e termine seu mandato, estaremos preparados para revisar a continuidade da missão.