Título: Desenvolvimento vai além do modelo
Autor: Furbino, Zulmira
Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2009, Economia, p. 15

Especialistas da área de petróleo são unânimes em afirmar que escolha do regime de partilha, isoladamente, não será suficiente para garantir a prosperidade do país

Uma pergunta não cala no Brasil do pré-sal: o modelo de partilha, escolhido pelo governo para administrar o petróleo que se esconde debaixo de 7 mil metros de profundidade na costa brasileira, é suficiente para garantir o enriquecimento da nação? Economistas, engenheiros e geólogos respondem: infelizmente, não. Experiências em todo o mundo mostram que o regime, embora seja uma escolha importante, não garante sozinho o real aproveitamento ¿ e a distribuição da bolada ¿ que vem com a produção do petróleo em grande escala. Um conjunto de outros fatores, como capacidade de manutenção de investimentos na diversidade industrial, controle do ritmo de exploração, desenvolvimento tecnológico e industrial, qualificação de mão de obra, controle da participação da indústria do petróleo no Produto Interno Bruto (PIB) nacional, cuidados com o excesso de valorização cambial e investimentos sociais serão pontos capitais para fazer o país prosperar com o pré-sal.

¿O modelo não é necessariamente responsável por garantir que um país de fato se desenvolva economicamente e socialmente com a renda do petróleo¿, sustenta Hélder Queiroz, professor do grupo de economia da energia do Instituto de Economia (IE) da UFRJ. Segundo ele, a apropriação das riquezas do petróleo pelo país produtor depende do conjunto de aspectos institucionais e dos dispositivos legais que vão cercar esse modelo. O mundo está cheio de exemplos de países nos quais a fortuna proveniente dessa fonte não se traduziu em distribuição de renda ou em avanços sociais. É o caso da Nigéria ¿ que adota o regime misto de concessão e partilha ¿ onde o petróleo é responsável por 20% do PIB, 95% das receitas de exportação e 65% do orçamento. Ali, a economia cresce em ritmo veloz, mas a maior parte da população vive na pobreza absoluta. O mesmo ocorre em muitos outros países da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), que, em sua maioria, optaram pelo modelo da partilha.

Venezuela

Os casos da Opep, onde há muita produção de petróleo e nenhum mercado interno, e o da Venezuela ¿ modelo misto entre partilha e serviço ¿ são diferentes do brasileiro, uma vez que o país conta com demanda doméstica forte e variada, inclusive por derivados do petróleo. No país de Hugo Chávez, as exportações não pararam de crescer nos últimos anos, ¿mas até o ovo que serve de alimento à população é importado¿, observa Queiroz. Com o petróleo do pré-sal, o desafio do Brasil é o de equilibrar a entrada de dólares de forma a não prejudicar a diversidade da indústria nacional.

O principal pecado cometido por países produtores tem sido tornar-se meramente exportadores primários de petróleo. Isso gera receita, mas não promove desenvolvimento na cadeia produtiva. Assim, os demais setores da economia perdem qualidade para o petróleo e os fatores de produção tendem a correr para esse setor ao invés de ser melhor distribuídos. Giuseppe Bacoccoli, geólogo e pesquisador da Coordenação de Programas de Pós-graduação da UFRJ (Coppe), explica que há basicamente quatro modelos de produção vigentes no mundo: concessão, partilha, prestação de serviços e mistos. ¿Todos os países com indústria tradicional, como Estados Unidos, Canadá, Noruega, Austrália, Brasil e Reino Unido optaram pela concessão¿, afirma.

Na opinião de Paulo Metri, especialista no segmento e conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros (Febrae), se existe alguma correlação entre os modelos, países que são sede de grandes petrolíferas de propriedade da iniciativa privada, ou nações com grandes reservas e que, em algum momento, tiveram administrações neoliberais, assinaram contratos de concessão. ¿Por outro lado, países com grandes reservas de petróleo optam por contratos de partilha da produção ou de prestação de serviços¿, disse.

Noruega

A Noruega, que serviu de inspiração inicial para o projeto de marco regulatório do pré-sal, e é considerada um ícone no desenvolvimento da indústria do petróleo, optou pela concessão. ¿Mas na Noruega tudo dá certo. O grau de organização política, o nível educacional e a solidez das instituições são determinantes para isso¿, afirma Queiroz, da UFRJ. Segundo ele, o que, no fim das contas, acaba determinando a escolha do modelo é o volume esperado de reservas. ¿Para um nível mais baixo de risco exploratório, adota-se a partilha. Quando ele é mais alto, adota-se concessão¿, compara.

O modelo não é necessariamente responsável por garantir que um país de fato se desenvolva economicamente e socialmente com a renda do petróleo¿

Hélder Queiroz, professor do Instituto de Economia da UFRJ

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Fonte: Thompson & Knight L.L.P