Título: O Brasil, segundo o FMI
Autor: Batista Jr, Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 21/07/2012, Opinião, p. 7

Pela primeira vez, o governo autorizou a publicação do relatório anual do FMI sobre a economia brasileira.

Pelo convênio constitutivo da instituição, esse tipo de documento só pode ser publicado com o consentimento das autoridades do país. A íntegra do relatório está na página do FMI na internet (sob o título "Brazil: 2012 Article IV Consultation").

Um dos aspectos que chamam atenção é que o Fundo está um pouco mais otimista sobre as perspectivas de crescimento econômico do que muitos observadores no Brasil.

O relatório antecipa que as medidas de reativação da demanda agregada, sobretudo a diminuição dos juros e a ampliação da oferta de crédito, devem surtir efeito no segundo semestre.

O FMI prevê que a economia brasileira estará crescendo em torno de 4% no final de 2012 (comparando o PIB do último trimestre do ano com o do último trimestre de 2011). Para 2013, espera-se uma expansão de 4,6%.

Esses números coincidem aproximadamente com os do governo brasileiro. Onde existe alguma divergência é quanto à tendência da inflação. O FMI não enxerga espaço para reduções adicionais da taxa básica de juro, a Selic.

Sem especificar números, o relatório sugere haver risco de que a inflação possa ficar "bem acima" do ponto central do intervalo do regime de metas de inflação (definido pelo governo como 4,5% mais/menos 2 pontos percentuais).

É o que pode ocorrer, sustenta o FMI, se não houver algum aperto da política monetária.

No meu entender, a preocupação é exagerada. Nas circunstâncias atuais, o principal problema ainda é o baixo dinamismo da economia brasileira.

Não há sinais convincentes de que a inflação possa escapar do controle. A demanda continua desaquecida. O ambiente internacional é "desinflacionário" - ou até deflacionário, se houver um agravamento da crise na área do euro.

Nesse ambiente de incerteza, o FMI reconhece que a posição fiscal brasileira é relativamente forte e que o sistema bancário tem capital suficiente para absorver até choques extremos. As metas fiscais têm sido cumpridas e a dívida pública vem caindo como proporção do PIB.

O Fundo reconhece também que as medidas de regulação dos movimentos de capital têm sido "aplicadas de maneira apropriada" e concorda com o governo brasileiro que essas medidas devem continuar a fazer parte do arsenal de políticas econômicas.

A posição externa da economia é sólida, o que é fundamental para garantir a nossa independência.

As reservas internacionais estão em US$ 375 bilhões. Em meados de 2008, pouco antes do colapso do Lehman Brothers, as reservas estavam em US$ 200 bilhões. Relativamente à dívida externa de curto prazo, as reservas aumentaram de 423% em 2008 para 902% em 2011.

Não é por outra razão que o Brasil figura entre os credores do FMI, tendo indicado na recente reunião do G-20 em Los Cabos que se dispõe a oferecer empréstimo adicional de US$ 10 bilhões ao Fundo.

Veja, leitor, a minha situação. Eu sou, sempre fui, um devedor nato. Não só nato, mas hereditário. Tenho cabeça de devedor, hábitos de devedor, preconceitos de devedor.

Aqui em Washington tive que fazer uma adaptação radical, a toque de caixa, à condição inusitada de credor.

Ainda não me acostumei.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é

economista e diretor executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário

Internacional, mas expressa os seus pontos de vista em caráter pessoal.