Título: Micheletti ataca Lula
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Fonte: Correio Braziliense, 25/09/2009, Mundo, p. 22
Comunicado da chancelaria de Tegucigalpa responsabiliza o Brasil pela vida e pela segurança do líder deposto, Manuel Zelaya, e critica conversão da embaixada em ¿plataforma de propaganda política¿. Governo de fato suspende toque de recolher e libera aeroportos
Manifestantes pró-Micheletti saem às ruas da capital, Tegucigalpa, aos gritos de ¿Lula, Lula, leva esta mula¿: protesto se aproximou da embaixada
Foi a declaração mais contundente de insatisfação do governo de fato de Roberto Micheletti em relação ao apoio que o Itamaraty e o Planalto têm dado ao presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya. O comunicado de quatro tópicos, divulgado na tarde de ontem pela Secretaria de Relações Exteriores de Honduras, alerta que ¿recaem no governo brasileiro a responsabilidade pela vida e segurança do senhor Zelaya e pelos danos à integridade física das pessoas e às propriedades derivadas¿. De acordo com o texto, o Brasil converteu sua embaixada em ¿uma plataforma de propaganda política e concentração de pessoas armadas, que ameaçam a paz e a ordem pública interna de Honduras¿.
A nota da chancelaria lembra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, que não teve conhecimento prévio da entrada de Zelaya ¿ ¿prófugo da Justiça hondurenha¿ ¿ aos locais que o governo do Brasil mantém em Tegucigalpa.
Segundo a diplomacia de Tegucigalpa, o mandatário brasileiro foi ¿categoricamente desmentido por seu principal beneficiário e protegido¿. ¿No dia de ontem (quarta-feira), desde as oficinas do Brasil em Tegucigalpa, ele (Zelaya) declarou que `foi uma decisão pessoal, consultada com o presidente Lula e com o chanceler Amorim, bem como com o engarregado de negócios¿¿, acrescenta o texto, que considera ¿evidente a intromissão do governo do senhor Lula da Silva nos assuntos de Honduras¿. Mas Zelaya deu outra versão, em entrevista ao Correio (leia abaixo).
A resposta veio nas palavras de Tarso Genro. Em visita a Havana, o ministro da Justiça disse que o governo brasileiro não defende ingerências externas para solucionar o conflito em Honduras, mas sim ¿a legalidade e o respeito¿ às convenções internacionais. ¿A via da solução dos problemas políticos na América Latina é a que compromete os países respeitosos à democracia e ao Estado de direito¿, comentou. Mais cedo, o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, assegurou que o Planalto se opõe ao uso da embaixada para o que chamou de ¿conchavos políticos¿ ¿ um aviso tácito a Zelaya. ¿Já existem sinais de que o governo golpista poderia entrar em negociações e o Brasil tem a convicção de que será possível encontrar uma saída por esse caminho, mas essa, esse uso da Embaixada para fins políticos não é autorizado pelo presidente Lula¿, alertou.
Por sua vez, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, fez uma veemente defesa da permanência de Zelaya na representação diplomática brasileira. ¿Não temos de opinar se gostamos ou não da presença dele na embaixada, que é território brasileiro. Não acredito que ninguém civilizado vá propor que você entregue quem pediu asilo¿, comentou, ao lembrar que dirigentes brasileiros receberam abrigo político de outros países durante a ditadura militar, nas décadas de 1960 e 1970. ¿A gente tem de ter muito respeito por ele¿, afirmou, em referência ao líder deposto de Honduras. O Itamaraty reforçou a posição de que Zelaya deve continuar sob proteção do Brasil até a restauração da ordem.
Protesto Manifestantes pró-Micheletti tomaram ontem as ruas pela primeira vez desde o retorno de Zelaya ao país, na segunda-feira passada. Aos gritos de ¿Fora, Mel!¿ e ¿Lula, Lula, leva esta mula¿, os ativistas passaram pelos arredores da embaixada e seguiram em passeata até a sede da ONU em Tegucigalpa. O governo de Micheletti suspendeu ontem o toque de recolher e reativou o aeroporto.
Uma missão de chanceleres da Organização dos Estados Americanos (OEA), liderada pelo secretário-geral, José Miguel Insulza, chegará neste fim de semana à capital para atuar como mediadora de um diálogo. Já o Conselho de Segurança da ONU se reúne hoje, em caráter de emergência, para debater a crise. O encontro foi convocado pelos Estados Unidos, a pedido de Lula.
entrevista - MANUEL ZELAYA Líder deposto detalha retorno
Rodrigo Craveiro
Há mais de 72 horas refugiado na Embaixada do Brasil, em Tegucigalpa, o presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya, aparenta calma e confiança. Acredita que os dias do governante de fato, Roberto Micheletti, estão contados. Por meio de um celular de Rafael Tome, coordenador da chamada ¿resistência¿, Zelaya falou mais uma vez com exclusividade ao Correio, às 16h de ontem (13h pelo horário local). Durante cerca de 16 minutos, o chefe de Estado afastado contou detalhes ¿ segundo ele, inéditos ¿ da chegada a Honduras e criticou a tentativa de diálogo de Micheletti.
O senhor teme ser assassinado em uma invasão à embaixada? A pressão internacional tem nos ajudado. Creio que a pressão diminuiu um pouco. Já estão nos dando ao menos garantias verbais de que não vai haver uma invasão violenta, como de fato estava se desenhando. Temos evidências de que se apresentaram recursos na Corte Suprema de Justiça para conseguirem com que Honduras se retirasse das Convenções de Viena, a fim de que pudessem invadir a embaixada e me retirar daqui, supostamente detido ou morto. Tínhamos evidências, mas nada disso ocorreu. Creio que a pressão internacional, especialmente o que fizeram Lula, o chanceler (Celso) Amorim e outros países, conseguiu frustrar essa ação.
O governo de fato levantou o toque de recolher. Esse gesto sinaliza o diálogo? Olhe¿ Eu vou lhe dar uma informação. Na noite de ontem (quarta-feira), recebemos uma personalidade enviada por Micheletti para que falasse conosco. E essa personalidade nos manifestou uma proposta que significa, para nós, outro atentado à democracia, que consiste em colocar uma terceira pessoa. O senhor Micheletti já não consegue se sustentar e deseja que tenhamos outro golpe de Estado. Retirar o senhor Micheletti para colocar outra pessoa (no poder) é uma tragédia. Isso seria o mesmo que abalar o sistema com um golpe de Estado. A democracia não pode se sujeitar a estar consertando as coisas por meio de um golpe de Estado. Isso foi o que nos propuseram na noite passada. Não houve nenhuma comunicação (com Micheletti) depois disso. Estamos recebendo diferentes insights da sociedade política e econômica, dos grandes meios de comunicação empresariais. Temos obtido resultados positivos e esperamos que as coisas ocorram, à medida que continue o apoio internacional.
Caso o senhor seja reconduzido ao poder, está disposto a anistiar os golpistas? Nós temos enviado mensagens de paz e de diálogo. Nós perseguimos o que foi traçado: a restituição da democracia, uma luta que não tem fronteiras, que ultrapassa as fronteiras de Honduras. Se nos renderemos, estaremos permitindo que se abale a política com o golpe de Estado. Estamos dispostos a seguir, até que consigamos resolver esse problema no menor tempo possível.
Micheletti avisou que dialogará desde que o senhor aceite as eleições de novembro¿ É uma declaração falsa e manipulada. As eleições de novembro nunca estiveram em risco. O que se passa é que querem derramar sangue do povo. Nós professamos que as eleições são uma competência leal, com igualdade de oportunidade a todos. Nunca me opus às eleições, sou um democrata e estou lutando pela democracia. Quem detesta as eleições é o senhor Micheletti. Ele é quem não a quer. Micheletti tem que sair. O que se passa é que ninguém está com ele. Ele está renunciando. Buscamos a condenação ao golpe do Estado. Não há uma negociação, mas um diálogo para a saída dele.
O presidente Hugo Chávez disse que o ajudou a chegar a Honduras. Como se deu esse retorno? Meu retorno foi desenhado por hondurenhos e, logicamente, tive a solidariedade de países amigos, como a Nicarágua, que me deu hospedagem; a Guatemala, que me ofereceu hospitalidade e a possibilidade de planejar minha estratégia. Foi algo desenvolvido por hondurenhos. Viajei apenas com hondurenhos. O presidente Hugo Chávez estava informado, sim, mas não teve participação. Compartilhei a informação com vários chefes de Estado que estavam sendo solidários comigo. O retorno envolveu estratégias de ¿distração e despiste¿. Em Nicarágua, El Salvador e Guatemala, as autoridades hondurenhas tentaram se infiltrar em minha equipe de segurança. Tive que burlar a segurança em cada país que estive para depois estabelecer mecanismos de transporte. Para isso, usamos pessoas parecidas comigo e diferentes disfarces. Foi uma chegada sem incidentes. A viagem durou 15 horas. Eu estava na Nicarágua, o centro de atenção para diferentes países. De lá, fui para El Salvador e Guatemala. Voltei a esses países, em um processo para entrar no ponto certo em Honduras e chegar a Tegucigalpa.
Lula sabia de seu retorno? Não, não tinham nenhum conhecimento o presidente Lula, o chanceler Amorim e Marco Aurélio (Garcia, assessor para assuntos internacionais do Planalto). Eles se deram conta quando eu já estava aqui (em Tegucigalpa). Nas duas estratégias anteriores de tentativa de regresso, compartilhei a informação com a comunidade internacional e corri o risco de ser assassinado. A estratégia atual não foi compartilhada com ninguém. Eu só a compartilhei 24 horas antes de chegar, em busca de uma imediata solidariedade nesse sentido. Não com o Brasil. Quando cheguei a Tegucigalpa, liguei para Amorim e disse: ¿Preciso de proteção do Brasil porque as forças repressivas tentarão me assassinar, se eu não tiver proteção¿. Ele me deu proteção, falou com Lula e usou uma expressão que ainda me enche de satisfação: ¿Presidente, aqui é a casa da democracia e nos sentimos honrados de podermos dar proteção a você para que não lhe ocorra nada e para que possa chamar o diálogo em seu país.¿ O diálogo foi recebido com bombas, tiros, estado de sítio e repressão pelos chefes golpistas.Eles aumentaram a violência, desafiaram a população e burlaram a inteligência do Estado.
Nunca me opus às eleições, sou um democrata e estou lutando pela democracia. Quem detesta as eleições é o senhor Micheletti¿