Título: Perícia atesta que dinheiro público irrigou o valerioduto
Autor: Brígido, Carolina; Leali, Francisco
Fonte: O Globo, 29/07/2012, O País, p. 4

Investigação mostra como verba do BB acabou nas mãos de Delúbio

um julgamento para a história

BRASÍLIA . Rastreamento das contas das empresas de Marcos Valério comprovou que parte do dinheiro sacado na boca do caixa no esquema do mensalão teve como origem recursos do Banco do Brasil. Peritos da Polícia Federal listaram saques no valor de R$ 4,652 milhões realizados em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro cuja fonte, afirmam, são os recursos que a empresa DNA recebeu do chamado fundo Visanet para prestar serviços de publicidade ao BB.

Num dos casos, os peritos flagraram pelo menos uma transação em que o dinheiro sai da conta alimentada por verbas públicas e acaba nas mãos do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, após passear por várias contas.

As informações estão guardadas nos anexos 142 e 143 do processo do mensalão. Fazem parte de dois laudos: um de 2006 e outro de 2007. Primeiro, o laudo 2828/2006 cruzou o registro contábil com a movimentação financeira das empresas de Valério e aponta que, na versão original da contabilidade, não havia registro para uma série de movimentações.

Na versão corrigida há a declaração de "distribuição de lucro" para alguns valores. Mas os peritos cruzaram essa informação com a movimentação das contas bancárias e descobriram que o destino do dinheiro foi outro. Cifras foram sacadas na boca do caixa por Valério e pessoas indicadas por ele.

Saques da conta da dna somam r$ 4,6 milhões

O laudo 1450/2007 dá sequência à investigação, fornecendo mais detalhes da triangulação financeira. O documento afirma que a conta da DNA abastecida "com recursos originários da Visanet" foi usada para saques nos mesmos moldes da já conhecida operação ocorrida em Brasília, onde políticos e assessores fizeram fila para pegar o dinheiro do mensalão em contas da empresa SMP&B, também de Valério. Segundo o laudo, os saques com origem na conta da DNA chegaram a R$ 4,652 milhões, e foram feitos em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

Na lista de sacadores está o próprio Valério e funcionários de suas empresas. O exemplo mais claro da destinação política dos recursos está registrado no dia 20 de novembro de 2003, quando Renata Maciel Costa, amiga da secretária de Delúbio Soares, foi na agência do Rural na Avenida Paulista e sacou R$ 150 mil.

O processo do mensalão foi aberto em 2007, mas só no ano seguinte a Polícia Federal conseguiu ouvir Renata e enviar ao STF o depoimento que confirma a descoberta dos peritos. Ela contou que em 2002 ajudou a pôr estrelas vermelhas do PT em caixinhas que seriam usadas para angariar doações de simpatizantes ao partido. No ano seguinte, conversava com a amiga Solange Oliveira sobre sua gravidez quando recebeu pedido para que fizesse um favor: pegar "documentos" no Rural.

Quando chegou ao banco, o funcionário trouxe um pacote e avisou: "Aqui não tem documento, tem dinheiro". Renata disse que se limitou a entregar tudo para a amiga no diretório do PT. Solange trabalhava com Delúbio, então tesoureiro do PT. A secretária confirmou em depoimento que os recursos recebidos da amiga não foram declarados oficialmente nas contas petistas.

Os dois laudos da PF mostram que os saques na boca do caixa chegam a R$ 11,876 milhões. Além dos R$ 4,652 milhões com origem nas contas da DNA, os peritos registraram a retirada de R$ 7,223 milhões de contas da SMP&B de Valério, cuja lista de beneficiários são os deputados que estão entre os réus do mensalão.

O advogado de Valério, Marcelo Leonardo, sustenta que não há dinheiro público no esquema. Diz que o fundo Visanet pertence a uma empresa privada, a Companhia Brasileira de Meios de Pagamento. Entre os sócios estava o Banco do Brasil, um banco público. Mas a defesa do réu diz que o BB não havia contribuído com o fundo à época dos repasses, informação que os laudos desmentem. O advogado afirma que os recursos foram repassados do Visanet para uma empresa de seu cliente, sem passar pelo BB.

- A defesa sustenta que não há dinheiro público no caso. Não havia recursos do Banco do Brasil no fundo. A perícia demonstrou, inclusive, que os recursos do fundo Visanet jamais passaram por contas do Banco do Brasil, eles foram diretamente enviados para a DNA Propaganda, para o pagamento de atividades de publicidade e propaganda dos cartões Visa - disse Marcelo Leonardo.

O deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da CPI dos Correios, que investigou pela primeira vez o mensalão, contesta a versão de Leonardo. Afirma que o Banco do Brasil, como participante do Visanet, autorizava ou não os pagamentos aos fornecedores escolhidos:

- O Visanet realmente não é uma instituição pública. Mas o Banco do Brasil era um dos bancos que se valiam do fundo. O Visanet não fazia operações, quem fazia era o Banco do Brasil. Ele escolhia os prestadores de serviço e pagava por meio do Visanet - explicou.