Título: Venezuela entra pela janela no Mercosul
Autor:
Fonte: O Globo, 31/07/2012, Opinião, p. 16

Chávez é recebido em Brasília por Dilma, Cristina e Mujica para ato político que mostra a força indevida da ideologia nas decisões sobre o bloco comercial

O presidente Hugo Chávez faz sua primeira viagem este ano após o tratamento do câncer em Havana e volta à cena internacional para a reunião extraordinária do Mercosul hoje, em Brasília, que sacramentará o ingresso da Venezuela. Com a bênção da anfitriã, Dilma Roussef, e dos demais convidados — Cristina Kirchner, da Argentina, e José Mujica, do Uruguai.

Há um mês, os presidentes de Brasil, Argentina e Uruguai suspenderam a participação do Paraguai devido à cláusula democrática — por considerar que o impeachment do presidente Fernando Lugo, em 22 de junho, foi um “golpe”. Na mesma reunião, aprovaram a entrada da Venezuela. Aliás, se a cláusula democrática valeu para afastar o Paraguai, deveria valer também para barrar Caracas, uma democracia de fachada.

Conforme escreveu o embaixador Rubens Barbosa em artigo no GLOBO, “a agonia do Mercosul começou com sua politização. Passaram a predominar a retórica e as decisões politico/ideológicas sobre a realidade econômica. Esqueceu-se que o Mercosul não é uma união de governos, mas de Estados.” O título do artigo era adequado: “Réquiem para o Mercosul!”.

O ingresso da Venezuela, com apoio decisivo do Brasil, é uma grande vitória política para Chávez, em campanha para mais uma reeleição, em outubro. E mais um passo brasileiro de volta a uma política externa ideologizada, com viés de alta para o bolivarianismo chavista. O Brasil abdicou de parte da liderança na América do Sul para ficar a reboque do chavismo, uma herança dos governos Lula que se pensou seria corrigida por Dilma.

O Brasil bloqueou a Alca, de iniciativa americana, temendo que engolisse o Mercosul. Apostou na Rodada de Doha, de negociações na OMC, que se frustraram. O Mercosul, que parecia auspicioso no início, estagnou.

Quando forem equacionados os aspectos técnicos, a entrada da Venezuela poderá abrir mercado para produtos brasileiros, argentinos e uruguaios, já que Chávez sucateou o parque industrial venezuelano. Mas, em contrapartida, quem terá interesse em negociar com um bloco que admite um país com um governo radical, populista, estatizante e, ainda por cima, não democrático? As decisões no Mercosul são tomadas de forma unânime. E a Venezuela já ganha direito a voto. É impossível imaginar, por exemplo, que um acordo comercial com os EUA, maior mercado do mundo, receba sinal verde de Caracas. Mesmo com a Europa. Depreende-se que para Chávez, isolado e presidindo um caos econômico, o Mercosul será de grande valia. Mas o contrário não é verdadeiro.

A suspensão do Paraguai é temporária. Ele deve ser readmitido depois das eleições, em abril. O processo efetivo de incorporação da Venezuela, por outro lado, levará anos. Ninguém sabe o que acontecerá, pois nada garante que o futuro governo paraguaio venha a aprovar o ingresso do país de Chávez. Mais crise à vista.