Título: Novos negócios da secretária
Autor:
Fonte: O Globo, 31/07/2012, O País, p. 3

Enviado especial

um julgamento para a história

BELO HORIZONTE (MG) . Ex-diretora da agência de publicidade SMP&B e braço financeiro da organização de Marcos Valério, a secretária Simone Vasconcelos recebeu no primeiro semestre de 2010 quase meio milhão de reais da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), repassados por meio do Instituto Mundial de Desenvolvimento (IMDC), ONG investigada pela Polícia Federal por causa de saques em dinheiro suspeitos de dinheiro vivo às vésperas das eleições de 2010. A operadora do sistema de distribuição de recursos a políticos criado por Valério - conhecido como mensalão - recebeu o dinheiro por meio da VMB Locadora de Veículos, empresa que abriu com o marido, Dimas de Melo Braz, no fim de 2009, e de onde despacha desde quando virou ré no processo que será julgado esta semana pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A firma funciona em uma sala em um prédio comercial que está sempre fechada, em Belo Horizonte. Segundo os vizinhos de andar, o marido de Simone passa no local apenas para buscar correspondências. Os advogados de Simone garantem que a empresa funciona sublocando veículos de outras operadoras, e que ela é "modesta". Procurado pelo GLOBO, o IMDC primeiro negou ter contratado a empresa de Simone. Depois, voltou atrás dizendo que a contratou para ceder 157 veículos ao Minas Trend Preview, evento de moda realizado semestralmente pela Fiemg, com o apoio do IMDC.

Curador do evento, o estilista Ronaldo Fraga disse achar "muito estranha" a contratação dos carros e encaminhou um pedido de informações à Fiemg. Não recebeu resposta. Por uma semana, O GLOBO pediu à Fiemg que confirmasse os pagamentos à empresa de Simone e a contratação dos serviços. A entidade não se manifestou, dizendo se tratar de assunto privado.

Os pagamentos à VMB foram realizados em duas parcelas, em abril e em maio de 2010, e totalizam R$ 448 mil. Por meio de seu advogado, Leonardo Yarochewsky, Simone disse que a VMB ganhou concorrência para transportar compradores e jornalistas durante o evento. Disse ter assinado contrato e faturado em nome do IMDC "por determinação da Fiemg". Como a sua empresa não tem frota própria, disse ter contado com a participação de "parceiros" para dar conta do serviço.

instituto é investigado desde 2010

Os negócios do IMDC em Minas são investigados desde setembro de 2010, quando um funcionário foi vítima de assalto ao sair de uma agência bancária em Belo Horizonte. Ele tinha acabado de sacar R$ 820 mil em dinheiro. Em depoimento, funcionários do banco disseram ter recebido ligações de dirigentes da entidade pedindo que mentissem à polícia sobre o valor sacado naquela data, reduzindo-o para R$ 80 mil. À polícia, um gerente disse que os saques de grandes quantias e em dinheiro vivo eram frequentes na agência, apesar do banco desaconselhar à ONG este tipo de procedimento. Na época, o vice-presidente do IMDC, Tacito Avelar, disse que o saque em dinheiro vivo era para o pagamento de fornecedores diversos e não quis comentar o teor do depoimento dos funcionários do banco. Em Minas, o IMDC realiza oficinas profissionalizantes no interior, organiza festival de teatro, evento de moda e até recenseamento escolar.

Na organização de Marcos Valério, Simone Vasconcelos era responsável por dirigir-se à agência do Banco Rural em Brasília para sacar recursos e repassá-los aos políticos indicados pelo empresário. Sua função era telefonar aos destinatários para informar que os recursos já estavam disponíveis e orientá-los sobre local e forma de pagamento. A entrega do dinheiro acontecia na própria agência e também em hotéis de Brasília. O advogado dela, Leonardo Yarochewsky, diz que a diretora-financeira não sabia que as atividades tocadas por seu chefe poderiam ser irregulares. Sustenta que não competia a ela questionar as ordens de Valério e que ela apenas cumpria ordens.

- A Simone era o braço sem a cabeça, era uma espécie de "office girl". Era uma pessoa que tinha amor pela empresa, pelo trabalho e fazia aquilo para cuidar de sua família - disse.

Por sua participação no mensalão, Simone responderá pelos crimes de formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e evasão de divisas. Pelos mesmos crimes responderá Geiza Dias, ex-gerente financeira da SMP&B que respondia hierarquicamente a Simone. Segundo a Procuradoria-Geral da República, Geiza também repassava ao Banco Rural informações sobre os destinatários dos recursos e entregava repasses pessoalmente. Ela é defendida no processo pelo advogado Paulo Sérgio Abreu e Silva, o mesmo que atende o advogado Rogério Tolentino, parceiro de negócios de Marcos Valério.

A mãe de Geiza, Maria Izabel Dias dos Santos, diz que a filha não teme ser condenada.

- Se ela tivesse pegado alguma coisa, entrado no meio dessa bagunça, dessa cachorrada toda, dessa pouca vergonha que aconteceu aí, estaria com outra vida, estaria muito bem. Hoje minha filha tem dificuldade para conseguir até trabalho - desabafou.