Título: Remédios ao alcance da mão
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 28/07/2012, Economia, p. 23

Anvisa recua e produtos que dispensam prescrição poderão ficar nas gôndolas das farmácias

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recuou e decidiu que os medicamentos que não precisam de receita médica poderão novamente ficar ao alcance dos consumidores nas prateleiras e gôndolas das farmácias e drogarias de todo o país. No entanto, a agência determina que esses remédios terão que ser organizados por princípio ativo e ficarem separados de outras categorias de produtos, como cosméticos, produtos de higiene ou dietéticos. Também é obrigatória a fixação de cartazes para advertir aos usuários sobre os riscos da automedicação.

A decisão da Anvisa, publicada ontem no Diário Oficial da União, revogou a norma anterior, de 2009, que obrigava os comerciantes a manterem os remédios isentos de prescrição escondidos atrás do balcão das farmácias.

Ao explicar a nova regra, o presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, acusou as farmácias e laboratórios de prática de cartel durante a vigência da norma anterior. Segundo ele, os comerciantes estavam fazendo acordo com os fabricantes para manter no estoque remédios mais caros, mais vendidos e que rendem maior comissão ao balconista. Um estudo feito pelo órgão concluiu que os estabelecimentos estavam aproveitando para empurrar esses medicamentos aos consumidores, disse.

Medida não inibiu a automedicação

Além disso, destacou Barbano, a exigência não surtiu efeito, no sentido de inibir a automedicação.

- Os laboratórios estavam decidindo junto com as farmácias qual é o produto que iam ter. Só mantinham no estoque aquele que oferece o maior lucro, que pagava ao balconista o maior ganho de comissão. Os dados do estudo demonstram uma transformação nesse mercado: houve uma venda maior dos produtos mais caros, que tem maior quantidade na embalagem. Ou seja, de fato, as farmácias estavam agindo junto com as empresas, no sentido de aproveitar a fragilidade do consumidor - disse Barbano. - Entendemos que deixar o consumidor fora dessa relação (sem autonomia para escolher livremente o remédio mais adequado) é pior do que deixar os remédios nas gôndolas.

O presidente da Anvisa admitiu, porém, que o órgão estava sendo pressionado a voltar atrás. Pesaram na decisão, segundo ele, os cerca de 70 processos judiciais movidos pelo setor produtivo contra a exigência que estava em vigor desde agosto de 2009 e o fato de 11 estados já terem revertido a norma, criando leis estaduais. Entre as unidades da federação, estão Rio, São Paulo e Minas Gerais.

Ele destacou que, a nova norma fixou critérios para evitar o uso indiscriminado dos medicamentos: as farmácias terão que organizar nas prateleiras os remédios isentos de prescrição por princípio ativo e não por uso terapêutico (indicado para determinados tipos de doença). No local, é obrigatória a fixação de cartazes com a seguinte orientação: "Medicamentos podem causar efeitos indesejados. Evite a automedicação: informe-se com o farmacêutico".

Barbano disse que a Anvisa vai intensificar a fiscalização no setor e, no caso de descumprimento das exigências, os donos das farmácias poderão ser advertidos ou mesmo os estabelecimentos interditados ou multados. O valor da multa varia entre R$ 1.500 e R$ 2 milhões, dependendo do capital social.

Além disso, o órgão regulador quer atuar mais fortemente para inibir a venda de remédios sem receita. Exigir o arquivamento da segunda via, como no caso do antibióticos, seria inviável, disse Barbano.

- A decisão da Anvisa não vai mudar nada, porque a população já tem acesso liberado a essas substâncias, a antitérmicos. Já medicamentos como anti-inflamatórios, que podem levar à morte, estes sim, deveriam ser foco de uma política de retenção das receitas médicas. Infelizmente continuaremos sem qualquer controle, sempre foi assim - disse Victor Cravo, médico intensivista.

O presidente da Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias (Febrafar), Edison Tamascia, a acusação do presidente da Anvisa sobre a prática de cartel é "irresponsável" e não procede:

- Ele deveria dizer que está combinando preços e onde.

A autorização para voltar a vender medicamentos que não necessitam de prescrição médica nas gôndolas das farmácias deve aumentar a competição entre as indústrias farmacêuticas, segundo Nelson Mussolini, vice-presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma).

- Antes você tinha um intermediário entre o consumidor e o produto, que era o vendedor da farmácia. Agora, há o retorno da liberdade de escolha do consumidor - disse Mussolini.

Apesar de aumentar a concorrência, a medida não deve resultar no aumento de vendas do setor, diz o representante do Sindusfarma. Segundo ele, quando foi proibida a venda dos medicamentos nas gôndolas, em 2009, a receita da indústria farmacêutica não caiu. Por isso, não deve subir agora que a medida foi revogada.

COLABOROU Paulo Justus