Título: Abastecimento ainda pode ter problemas
Autor: Alencar, Emanuel; Diniz, Débora
Fonte: O Globo, 01/08/2012, Rio, p. 10

Ceasa chegou a ter 90% da entrega de alimentos comprometidos; produtos mais afetados pelo bloqueio são batata e cítricos

Mesmo com o fim do bloqueio da Via Dutra, a cidade ainda pode enfrentar reflexos das dificuldades de abastecimento de alimentos na Ceasa, em Irajá, como a falta de alguns itens e a elevação de preços. Ontem, Orlando Scarpinelli, diretor financeiro da Associação Comercial dos Produtores e Usuários da Ceasa Grande Rio (Acegri), estimou que quase 90% do abastecimento da central já estavam comprometidos pela retenção de caminhões na rodovia. Já o presidente da Ceasa, Leonardo Brandão, informou que houve uma grande queda no número de caminhões que deveriam ter chegado à Ceasa anteontem: em vez de 1,2 mil veículos, apenas 750, 37,5% a menos. Brandão acredita que hoje ainda podem faltar certos alimentos mais atingidos pelo movimento porque vêm de fora do estado, como batata, e cítricos, como tangerina, laranja e limão.

- Acho que ainda podemos sofrer alguns reflexos. Somente um comerciante daqui estava com 20 caminhões parados na rodovia. Outros podem ter perdido alimentos perecíveis. Por outro lado, alguns devem chegar dispostos a vender produtos, com prazo de validade mais curto, a preços bem mais baratos - disse Brandão ontem à noite.

Alguns dos alimentos disponíveis na central de Irajá ontem estavam sendo vendidos por valores 200% maiores. Era o caso do saco de 50 quilos de batata. Antes da greve, o valor cobrado nos boxes era de R$ 35. Na manhã de ontem, as poucas unidades que restavam eram vendidas por R$ 110. A caixa de laranja, que custa normalmente cerca de R$ 17, tinha passado para R$ 25.

Com a carga retida na rodovia, muitos distribuidores decidiram fechar os boxes da Ceasa. Foi a solução encontrada por Euclides Andrade, dono da Citral, que comercializa laranja, limão e tangerina.

- Tenho 15 caminhões parados na Dutra - lamentava o comerciante.

Como boa parte da carga dos veículos é perecível, muitos alimentos já são considerados impróprios para o consumo. Antes de ser anunciado o acordo com os grevistas, a orientação era, inclusive, não fazer novas colheitas.

- Já estamos dizendo aos produtores que não façam a colheita dos vegetais. Toda a cadeia produtiva de alimentos está sendo impactada - chegou a afirmar Scarpinelli.

A Acegri também havia pedido a intervenção do governo do estado para resolver o problema de abastecimento da Ceasa. Devido ao bloqueio de caminhoneiros em outras rodovias que chegam ao Rio, há donos de boxes na central de abastecimento que não recebem produtos desde sábado.

Enquanto isso, na Dutra, comerciantes resolveram vender seus produtos na estrada para evitar que estragassem. -Olha o morango fresquinho! Uva baratinha, vai, madame? - gritavam para os motoristas, transformando a Dutra numa feira livre.

Muitos motoristas encostaram nos caminhões para aproveitar as pechinchas. Três caixas de morango eram vendidas a R$ 10, enquanto a mesma quantidade sairia por R$ 24 nos mercados. Dentro de seu caminhão, Reinaldo dos Reis Elias escolhia as frutas menos danificadas diante dos clientes:

- Tenho 3.600 caixas de morango que estavam apodrecendo. Não pode, não é? O jeito é botar à venda.

Outro caminhão, com duas mil caixas de uvas vindas de Santa Catarina, vendia 4,8 quilos da fruta por R$ 10.

DOENTES SEM ATENDIMENTO

Enquanto sobravam alimentos na Dutra, alunos das escolas públicas de Volta Redonda sentiam falta da merenda. Isso porque os caminhões que abastecem as escolas estavam presos também. Segundo o prefeito Antônio Francisco Neto (PMDB), a dificuldade foi causada porque a maioria dos fornecedores é de São Paulo.

- As crianças fazem todas as refeições nas escolas. Em algumas, já está faltando merenda e, nas demais, os estoques estão no fim. Mesmo com o fim da paralisação teremos problemas, porque os alimentos perecíveis não serão aproveitados - disse Neto.

O comércio da cidade também sentiu o desabastecimento. Nos mercados, ontem já se notava aumento de preços.

Os transtornos causados pelo bloqueio foram além dos engarrafamentos e do desabastecimento de alimentos. Dezenas de moradores de Itatiaia, incluindo os distritos de Penedo e de Visconde de Mauá, ficaram impedidos de fazer tratamentos médicos agendados em Volta Redonda ou no Rio. Apenas ontem, mais de 50 moradores que fazem hemodiálise em Volta Redonda e tratamento contra o câncer no Rio não puderam sair da cidade.