Título: ONU critica a ONU
Autor: Lage, Janaina
Fonte: O Globo, 04/08/2012, Mundo, p. 33

Resolução sobre conflito sírio condena falta de consenso no Conselho de Segurança

RIO, NOVA YORK e GENEBRA À sombra de ao menos 120 mortes na Síria e embates violentos em cidades como Aleppo, Damasco e Hama, a aprovação da terceira resolução condenando o conflito sírio no âmbito da Assembleia Geral da ONU incluiu um aspecto incomum: uma autocrítica da própria organização. O texto aprovado por 133 dos 193 países condena "o fracasso do Conselho de Segurança" em aprovar medidas que assegurem o cumprimento do plano de paz. As três tentativas de impor sanções contra o regime do ditador Bashar al-Assad foram vetadas por Rússia e China.

Regina Dunlop, embaixadora do Brasil na ONU, ressalta que a menção ao Conselho não é o aspecto central da resolução - que se concentra na condenação à escalada de violência no conflito, reafirma temores sobre o uso de armas químicas, repudia os bombardeios das forças do regime contra bastiões da oposição e pede o acesso de equipes de ajuda humanitária a áreas de conflito - mas reconhece que é um aspecto raro:

- É incomum. A Assembleia Geral não costuma se pronunciar sobre um assunto sobre que o Conselho de Segurança já se manifestou, haveria duplicação. Neste caso, o Conselho não chegou a um entendimento sobre uma mensagem de uma única voz. Talvez ele esteja precisando de uma reforma, não? A busca de uma nova configuração em que esses impasses não aconteçam...

O texto apresentado pela Arábia Saudita, com o apoio de diversos países, precisou ser suavizado para obter o número de votos necessários à aprovação. Ainda assim, 12 membros da Assembleia votaram contra (incluindo China e Rússia) e 31 se abstiveram. Assim como outros países, o Brasil defendeu a exclusão de qualquer menção à renúncia de Assad e à aprovação de sanções. Segundo a embaixadora, o Brasil mantém sua posição a favor de um processo político inclusivo, com o compromisso com o diálogo de todas as partes do conflito. Quanto às sanções, ela avalia que só devem ser usadas como último recurso e elaboradas com extremo cuidado para evitar que seus efeitos recaiam sobre a população.

Texto é peça de teatro, diz Síria

A resolução tem caráter simbólico, pois não estabelece imposições. A última resolução contra a violência do conflito, em fevereiro, foi aprovada por 137 votos, um patamar levemente superior ao de ontem. A embaixadora do Brasil diz que uma das possíveis explicações para a diferença é a veiculação de notícias de que a oposição também tem incorrido em excessos. Com um total de mortes no conflito estimado em 19 mil, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, admite que as Nações Unidas foram postas à prova:

- O conflito na Síria é um teste a tudo que a organização defende - disse, acrescentando que a brutalidade do confronto em Aleppo pode ser classificada como crime contra a Humanidade ou crime de guerra.

Após a votação, o embaixador da Síria, Bashar Jaafari, disse que o governo Assad ainda apoia o plano de paz apresentado pelo mediador Kofi Annan, que anteontem anunciou sua saída do cargo no fim do mês, após o fracasso de sua missão. Segundo o diplomata sírio, a resolução, à qual se referiu como "uma peça de teatro", não terá qualquer impacto. Enquanto isso, Damasco pediu um empréstimo à Rússia para repor reservas de combustível, num sinal do impacto das ações contra o regime. Ontem, navios de guerra russos se aproximaram de Tartus, a base naval do país na Síria, para reabastecimento.

No front, não houve sinal de tréguas em Aleppo. Já em Damasco, forças do governo retomaram Tadhamon, o único enclave na cidade ainda sob o controle do opositor Exército Livre da Síria (ELS). Os bombardeios atingiram, ainda, o campo de refugiados palestinos de Yarmouk nos arredores da capital, matando 21 pessoas.