Título: Trilhas sonoras que se encontram
Autor:
Fonte: O Globo, 08/08/2012, O País, p. 5

Ex-senador Demóstenes se aventurou como crooner em restaurante onde estavam advogados de réus do mensalão e cantou, entre outras, "Let me try again". Defensor de Genoino pediu ao pianista para tocar o tema de "O poderoso chefão", e colega citou Chico Buarque para atacar Gurgel

BRASÍLIA

Letra e música. O advogado Leonardo Yarochewsky não esteve no restaurante,mas ontem, no STF, realizou um desejo do colega: citou versos de "Apesar de Você" em resposta a Roberto Gurgel

ANDRÉ COELHO

"happy hour"

Antigo algoz de mensaleiros e cassado por ligação com um bicheiro, o ex-senador Demóstenes Torres roubou a cena da noite de segunda-feira em Brasília. Alternando letras românticas e redentoras como "Minha namorada" ou "Let me try again" (Deixe-me tentar de novo), virou dublê de cantor no restaurante Piantella, frequentado por políticos dos espectros mais variados e, desde a semana passada, o principal ponto de encontro dos advogados do processo do mensalão.

O improvável encontro de Demóstenes com a defesa dos mensaleiros só ocorreu porque o ex-senador foi defendido pelo advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que é sócio do restaurante, e também defensor do publicitário Duda Mendonça no mensalão.

Como tradicionalmente ocorre às segundas-feiras em Brasília, a noite não era das mais cheias no Piantella. Demóstenes e os advogados escolheram então uma mesa no bar, bem próxima ao piano, um ambiente à meia luz, quase breu, com cadeiras de madeira forradas com couro verde musgo. Quando o "Jornal Nacional" começou, o volume da televisão foi aumentado. Atentamente, Kakay e alguns colegas assistiram de pé ao bloco que relatava detalhadamente como foi feita cada uma das defesas de segunda-feira. Terminado o noticiário político, a televisão foi desligada. E o pianista começou a tocar.

Demóstenes ouviu algumas canções e tomou coragem. Levantou-se com seu iPad e pediu ao pianista a melodia de "Minha namorada", de Vinicius de Moraes e Carlos Lyra. O agora procurador cantarolou os versos sem qualquer desenvoltura, consultando o tempo todo seu iPad. Ao fim do pocket-show, os advogados aplaudiram, entre eles Luiz Fernando Pacheco, que mais cedo havia defendido o ex-presidente do PT José Genoino.

Acompanhado de um amigo, Pacheco se sentou em uma mesa colada ao piano. Minutos depois da exibição de Demóstenes, o advogado, com a voz grave de sempre, virou-se para o pianista e pediu:

- Toca "The Godfather".

O músico ensaiou algumas notas duvidosas e o advogado foi mais explícito:

- A música do Poderoso Chefão!

Suavemente, as notas que ficaram famosas pela referência à trilogia que conta a história da família mafiosa Corleone tomaram conta do salão. Em retribuição, agradeceu em italiano:

- Grazie.

Finda a música, o advogado saiu para fumar um cigarro com um amigo e falou sobre a reação de Genoino:

- Como você estaria? O Genoino é guerrilheiro. O guerrilheiro está preparado até para matar, se for para não morrer. Para o guerrilheiro, antes vem matar, depois vem morrer e só depois vem a tortura. E ele já foi torturado. Não está com medo.

O alvo principal da ira de Pacheco, no entanto, era o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que pediu a prisão de 36 réus:

- Ele não gosta de Chico Buarque? Queria ter cantado para ele uma resposta com Chico Buarque, mas não fiz: "Apesar de você, amanhã há de ser outro dia" - cantarolou, com um cigarro entre os dedos e se equilibrando em uma bengala de madeira na outra mão. - E ia usar apenas esses versos, sem aquele negócio de "você vai se dar mal, etc e tal", isso não - completou.

Ontem, no plenário do STF, o que na noitada anterior era só um desejo do advogado de Genoino virou realidade por meio de Leonardo Yarochewsky, que defende Simone Vasconcelos, da SMP&B. Olhando para Gurgel, disse:

- Temos algo em comum. Nosso gosto pela música brasileira, em especial por Chico Buarque. Uma bela música me veio à mente: "Você que inventou esse estado, inventou de inventar toda escuridão; você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão; apesar de você, amanhã há de ser outro dia".