Título: A briga dos bilhões
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 10/08/2012, Economia, p. 28

Doutos advogados deveriam saber como se faz para ganhar na loteria com um banco falido. Em 2002, o Banco Mercantil entrou na Justiça contra Banco Central. A briga foi feroz. O BC perdeu em duas instâncias. Em 2007, a ministra Eliana Calmon, no Superior Tribunal de Justiça, reverteu a situação e deu ganho de causa ao BC. A diferença exigida pelo Mercantil era de R$ 1 bilhão.

No caso do Econômico, a diferença seria de R$ 3,2 bilhões. No Nacional, R$ 2,9 bi. Essa era a ordem de grandeza das cifras em jogo quando em 2002 os bancos entraram na Justiça contra o BC. O primeiro a entrar com ação foi o Mercantil. Eles queriam mudar os índices de correção da dívida que tinham com o Banco Central. Se a instituição aceitasse, o prejuízo viraria lucro.

O Banco Rural tinha 20% do Banco Mercantil, que pertence à família do senador Armando Monteiro, e acreditava que seria possível convencer o Banco Central a mudar o fator de correção da dívida do Mercantil com o BC. Em vez de a remuneração média do papel mais 2% ao ano, exigia que a dívida fosse atualizada pela TR.

Os advogados de defesa dos réus da Ação Penal 470 dizem que o procurador-geral da República está fazendo terrorismo ou tendo delírios quando fala que bilhões poderiam ser tirados do BC. Quem segue o assunto pelo lado da economia sabe que Roberto Gurgel está certo.

Esse é um caso complexo. Felizmente, a ministra Eliana Calmon entendeu, e no momento exato para evitar perdas para o setor público. Felizmente, o Banco Central lutou em todas as instâncias, com tudo o que pôde para evitar que os banqueiros lucrassem.

Quando o Plano Real domou a inflação muitos bancos quebraram. O governo baixou uma MP que virou lei criando o programa de reestruturação bancária, o Proer. A engenharia financeira deveria garantir o depósito dos clientes, e não deixar o banqueiro se aproveitar da operação de salvamento.

A fórmula era assim: o Banco Central intervinha no banco e separava o banco bom do banco ruim. O bom era formado pelos ativos com liquidez. Isso era vendido para uma instituição, que se responsabilizava pelo passivo, ou seja, ter dinheiro para as contas dos clientes. Como havia menos ativos que o necessário, era preciso dar um empréstimo a quem levava o banco. O BC emprestava, mas exigia garantias. O liquidante, que geria o banco ruim, comprava no mercado títulos públicos vendidos com grande desconto, e o Banco Central os aceitava por 80% do valor de face. Esses papéis viravam as garantias.

No caso do Banco Mercantil, os papéis comprados pelo liquidante foram títulos da dívida externa renegociada, os Par Bonds. Eram um papel rejeitado no mercado, mas tinham correção cambial. Na desvalorização cambial de 1999 esses papéis deram um salto. Começou então a pressão para que a liquidação fosse suspensa. Pela lei do Proer, o Banco Central poderia se apropriar da correção cambial, ou monetária, do papel. Cobrar os juros do título e mais 2%.

Os controladores do Banco Mercantil queriam que essa fórmula fosse abandonada. Queriam pagar ao BC apenas a TR. Se fosse assim, a dívida ficaria menor, e os controladores teriam um lucro. Quando a briga foi parar na Justiça, Marcos Valério entrou em cena. Ele queria que o BC abrisse mão da fórmula legal, pela outra, favorável aos donos.

De olho nisso estavam outros bancões liquidados. O Econômico e o Nacional. Se houvesse uma mudança de fórmula de cálculo do BC no caso do Banco Mercantil, o mesmo seria exigido pelo Banco Econômico, de Ângelo Calmon de Sá. Essa história teve novas surpresas. Amanhã eu conto.