Título: Comissão da alegria no Senado
Autor: Brito, Ricardo; Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2009, Política, p. 2

Dos 3.413 funcionários efetivos da Casa, apenas 300 não recebem complementação salarial. A direção, em vez de coibir o desmando, vai oficializar as gratificações ao contracheque de cada servidor

No Senado Federal, os servidores efetivos que não têm funções comissionadas (FCs) são exceção. Dos 3.413 funcionários do quadro, pelo menos 3.100 recebem, além do salário, uma complementação. Há técnico legislativo com função de, acredite, técnico legislativo. Na teoria, as funções são destinadas apenas a pessoas que ocupam cargos de direção e chefia. Na gestão do ex-diretor-geral Agaciel Maia, no entanto, a distribuição indiscriminada dessas gratificações virou regra. Acossada por denúncias de irregularidades administrativas, a nova direção da Casa resolveu moralizar a situação. Em vez de passar um pente-fino na folha de pessoal, preferiu uma solução caseira. Vai propor, no novo plano de cargos e salários, a incorporação das funções comissionadas aos salários dos servidores. Nenhum deles perderá um centavo do que recebe mensalmente, mesmo que não faça jus ao extra. Pior: se aprovada, a mudança provocará um aumento de despesa de R$ 108 milhões em 2010 por conta principalmente dos salários dos funcionários.

Hoje, as gratificações vão de R$ 1,3 mil a R$ 2,4 mil, e, em alguns casos, chegam a engordar entre 30% e 40% os salários dos funcionários. Só este ano, já foram pagos R$ 173,3 milhões(1) com as funções. A decisão de encorpar os salários dos efetivos está sendo discutida desde a última sexta-feira pelo Conselho de Administração do Senado, a partir da proposta de reformulação da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O raciocínio é o seguinte: os atuais servidores terão adicionados para sempre as FC¿s aos contracheques para que, de agora em diante, haja uma nova distribuição de funções na Casa. Seriam criados até 750 novos cargos de chefia e outros 70 de assessoramento, com gratificações que chegariam a R$ 2 mil a mais no salário.

A reportagem conversou com integrantes do Conselho de Administração ontem. A avaliação deles é de que não há outra forma para que um plano de reestruturação salarial seja aprovado no Senado que não essa. ¿Não há estímulo para que o servidor assuma cargo de chefia porque praticamente todos têm função. Para ganhar R$ 150 a mais, um celular e uma vaga na garagem não vale a pena assumir responsabilidades¿, exemplificou um deles.

O projeto será apresentado ao primeiro-secretário, senador Heráclito Fortes (DEM-PI), e ao presidente José Sarney (PMDB-AP), antes de ser levado aos outros membros da Mesa Diretora. E, para valer ainda em 2010, terá de ser aprovado em plenário até o fim do ano. Caso seja aprovado pelos senadores, o impacto da implementação do plano do novo plano de cargos e salários será de R$ 108 milhões a mais na folha de pagamento do Senado ¿ cerca de 4,7% de aumento ao ano. Atualmente ela custa cerca de R$ 2,3 bilhões aos cofres públicos. Para tentar justificar a medida que soa impopular em tempos de crise e promessas de moralização, a cúpula administrativa lançará mão de argumentos orçamentários. Dirão que a reestruturação do Senado terá impacto menor do que o reajuste proposto para os servidores efetivos da Câmara, em 2010, de R$ 400 milhões (20% da folha).

Folha Outro argumento pró-plano de cargos é o de que a folha de pagamento do Senado pesa menos para a União do que as dos outros Três Poderes. A extinção do pagamento das horas extras será incorporada ao pacote de benesses que virão para defender a aprovação do novo plano. O fim desse benefício representará uma economia de cerca de R$ 100 milhões.

Mas a proposta de revisão do plano de cargos dos servidores da Casa não é uma unanimidade. Os chefes de gabinete dos senadores, por exemplo, não estão contentes, pois teriam perdas salariais. A pressão deles pode comprometer a aprovação do plano e preocupa o Conselho Administrativo. Por conta da proximidade que mantêm com os parlamentares, podem influenciar na decisão.

Na era de Agaciel Maia, diretor-geral da Casa por 14 anos, as funções foram distribuídas indiscriminadamente. Eram usadas como instrumento de progressão salarial. Impedido de conceder aumentos às claras, Agaciel usava as gratificações para reajustar os salários dos servidores. O resultado é que, segundo o próprio Senado publicou no Diário Oficial da União em 2008, a Casa chegou a ter mais funções do que servidores.

1 - Um bilhão de extra Em seis anos, o Senado gastou R$ 1,6 bilhão em gratificações por exercício de funções comissionadas, segundo dados do Siga Brasil, portal de orçamento mantido pela própria Casa Legislativa. Desde 2003, o gasto com o pagamento a mais de 90% dos servidores da Casa ultrapassa os R$ 200 milhões ao ano. Em 2006, ano eleitoral, o gasto foi recorde: R$ 284,9 milhões. Nunca essa despesa foi auditada pela Casa.

O número R$ 108 milhões Impacto da implementação do novo plano

O número R$ 2,3 bilhões Custo atual da folha de pagamento do Senado

O número 750 funções Comissionadas deverão ser criadas

Dinheiro no bolso

O valor das funções pagas aos servidores do Senado

FC 10 R$ 2.476,81 FC 09 R$ 2.229,13 FC 08 R$ 2.064,01 FC 07 R$ 1.651,20 FC 06 R$ 1.320,96