Título: Cotas em federais do Rio dobrarão
Autor: Cazes, Leonardo; Avellar, Simone
Fonte: O Globo, 13/08/2012, O País, p. 3

Número irá de 5,4 mil vagas para 12,3 mil, se Dilma sancionar nova lei

ensino superior

O projeto de lei que obriga as instituições federais de ensino superior a reservar 50% de suas vagas para alunos da rede pública vai mudar bastante os processos de seleção das universidades no Rio de Janeiro. De acordo com cálculos feitos pelo GLOBO, a nova lei vai aumentar em 128% o número de vagas destinadas a ações afirmativas nas quatro universidades federais do Rio. Aprovado pelo Senado, o texto ainda precisa ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff para entrar em vigor.

A princípio, as quatro universidades federais do Rio - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) - reservariam 5.416 vagas para as cotas sociais em 2013. Se a nova lei for sancionada, esse número vai pular para 12.351 (há um prazo de quatro anos para adequação).

Se forem somadas as vagas oferecidas por ações afirmativas pela instituições estaduais - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Centro Universitário da Zona Oeste (Uezo) e Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) -, que não serão afetadas pela lei, o resultado sobe para 15.089 de um total de 30.784.

Para ser beneficiado pela medida, o candidato deverá ter cursado todo o ensino médio em escolas da rede pública. Metade das vagas reservadas será destinada a estudantes com renda familiar igual ou menor a 1,5 salário mínimo. Nessa distribuição, a prioridade será de alunos negros, pardos e índios, que serão contemplados de acordo com a proporção dessas raças na população de cada estado.

Até o último processo de seleção, das quatro instituições federais, apenas a UFRJ adotava um sistema de cotas válido para todos os cursos: 30% das vagas eram destinadas para estudantes oriundos da escola pública com renda familiar per capita de até um salário mínimo. A UFF, entretanto, já havia anunciado que 25% de suas vagas para 2013 seriam reservadas para estudantes de escolas públicas estaduais com renda familiar de até um salário mínimo e meio por pessoa. Na Unirio e na UFRRJ, por exemplo, só eram adotadas cotas de 10% para professores da rede pública e apenas nos cursos de Licenciatura.

MEDIDA TERÁ FORTE IMPACTO NACIONAL

O projeto também vai mexer no xadrez de oportunidades em âmbito nacional. Segundo dados tabulados pelo economista da UFRJ Marcelo Paixão, coordenador do Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), a partir dos micro dados do Censo da Educação Superior de 2010, 60% das instituições federais não possuíam nenhum tipo de reserva de vagas, e o número de cotistas matriculados correspondia a 10% do total - cerca de 25 mil alunos em mais de 250 mil.

Contudo, o impacto da medida pode não ser tão grande como se imagina. O estudo da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) intitulado "Perfil socioeconômico e cultural dos estudantes de graduação das universidades federais brasileiras", divulgado no ano passado, mostrou que 45% dos universitários brasileiros estudaram a vida toda em escola pública. Os percentuais mais altos são observados nas regiões Norte (71,5%) e Sul (50,6%). O Sudeste registra proporção de 37%. No recorte racial, pouco mais da metade dos alunos é autodeclarada branca, enquanto 40% são negros e pardos.

A nova lei das cotas está longe de ser unanimidade. Parte da sociedade comemora, mas especialistas se dividem sobre sua eficácia, e reitores e entidades ligadas ao ensino superior criticam a medida alegando que fere a autonomia das universidades em relação a seus processos de seleção. Além disso, a discussão vem mobilizando o setor privado. A Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) planeja entrar com uma ação na Justiça contra a lei, se aprovada, alegando que a medida fere o princípio da igualdade, garantido na Constituição.

- Estamos estudando como contestar o projeto judicialmente. As oportunidades de acesso às universidades devem ser iguais para todos. O que precisa mudar é a qualidade do ensino público. Com a lei de cotas, o Estado admite que sua rede é ruim e, em vez de ser cobrado, ganha um prêmio de consolação. Se facilitar o acesso de alunos despreparados, vai haver um sucateamento do ensino superior - diz Amábile Pacios, presidente da Fenep.

Victor Notrica, presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Rio de Janeiro, acredita que os estudantes de colégios privados vão ficar desestimulados com o vestibular.

- Não pode haver inclusão no ensino superior sem investimento na educação básica. Do modo previsto pelo projeto, o atrativo que teria para um estudante passar para a UFRJ fica esvaziado, porque ele sabe que só vai competir por metade das vagas - observa.

A professora Glória Fátima do Nascimento, diretora do Colégio Teresiano, acredita, no entanto, que as cotas não vão afetar os alunos de escolas particulares de excelência.

- Não existe isso de candidatos da rede pública roubarem vagas das classes média e alta. As carreiras que as classes menos favorecidas procuram não são as mesmas dos nossos alunos. Para os estudantes da rede pública, as cotas são, muitas vezes, a oportunidade de chegar a essas instituições. Sou a favor de toda ação afirmativa - diz Glória Fátima.

Subsecretário defende rede pública

Subsecretário de Gestão de Ensino da Secretaria estadual de Educação, Antônio Paiva Neto diz que a lei não vai mudar em nada o trabalho do governo em relação às escolas.

- A expectativa de nossos alunos deve aumentar porque eles terão mais chances de passar para universidades federais. Mas a metodologia de ensino não muda em nada. Desde 2011, trabalhamos com um planejamento estratégico a fim de elevar a proficiência dos alunos para que tenham condições de concorrer, em igualdade com outros candidatos, por vagas em universidades ou em concursos públicos - conta Paiva Neto.