Título: Bravatas
Autor: Cardoso, Guilherme Rios
Fonte: O Globo, 14/08/2012, Opinião, p. 17

Virou moda no Paraguai: um presidente assume o poder e começa a ameaçar o Brasil para alterar o Tratado de Itaipu. Federico Franco repete os passos de Fernando Lugo. Ele assumiu o poder após um impeachment relâmpago do antecessor e recebeu como cartão de boas-vindas dos colegas dos países vizinhos: a suspensão do Mercosul.

De olho nas eleições do ano que vem, para mostrar firmeza à população, Franco disse que o Paraguai não podia mais ceder energia ao Brasil. É um discurso para o público interno e faz sucesso nas urnas. Foi o tema central da campanha de Lugo, imitado por todos os concorrentes. Porém, não há hoje condições estruturais, políticas e econômicas para o Paraguai deixar de vender energia ao Brasil. É pura bravata. Franco e seus assessores sabem disso.

A Usina Binacional de Itaipu é administrada pelos dois países. O Paraguai tem direito a 50% da energia produzida, mas usa apenas 1/5 da sua parte, por não ter um parque industrial desenvolvido. Pelo Tratado, até 2023, o país é obrigado a vender a energia não utilizada ao Brasil, o que tem sido um grande negócio para o Paraguai, que depende financeiramente dessa exportação. Os nossos vizinhos não têm outra opção, pois a hidroeletricidade não pode ser armazenada, e não há linhas de transmissão para levar essa energia para outros países.

Caso Federico Franco decida passar das palavras para a pressão diplomática, não será bem recebido em Brasília. O impeachment de Lugo ainda não foi digerido pelo governo brasileiro, que não tem obrigação de alterar o Tratado de Itaipu a cada vez que um novo presidente assume o poder no Paraguai.

Nicanor Duarte (2003-2008) negociou uma mudança de cálculo na cobrança dos juros da dívida da construção da usina. Fernando Lugo conseguiu triplicar o valor pago pelo Brasil anualmente pela cessão de energia, de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões.

Na realidade, foi uma proposta brasileira às demandas iniciais de Lugo, como reduzir a dívida paraguaia - na época em US$ 19 bilhões - para US$ 600 milhões. Integrantes do Ministério de Minas e Energia eram contra ceder a qualquer solicitação paraguaia. Contudo, o sucesso na negociação foi possível graças ao ex-presidente Lula. Ele queria ver o Brasil exercendo o papel de principal líder da América do Sul e tinha interesse em ajudar o colega. Lugo, desde aquela época, sofria o risco de impeachment com um movimento golpista. Apesar da boa vontade de Lula, as negociações, que começaram em setembro de 2008, demoraram dez meses, e o Congresso brasileiro só aprovou o aumento em maio de 2011.

Federico Franco não é considerado um aliado pelo governo brasileiro. Se o objetivo dele é industrializar o país, aumentar as redes de transmissão e utilizar metade da energia de Itaipu a que tem direito, está correto. O povo paraguaio espera por isso desde que a usina começou a funcionar em 1984. Entretanto, se pretende pressionar o Brasil com ameaças de não ceder energia, para mudar o Tratado, ficará apenas no discurso.