Título: Leis & votos
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2009, Política, p. 4

O único meio eficaz de barrar os fichas-sujas, hoje e amanhã, é o voto consciente. Pesquise você a ficha dos candidatos. Eu farei isso. E o que souber, te conto

O momento foi lindo. Representantes da Igreja, dos congressistas e de todas as instituições representativas da sociedade fizeram questão de comparecer ao Salão Verde da Câmara para a entrega do projeto de lei complementar que recebeu 1.300.000 assinaturas. O texto ficou conhecido como a lei da ficha limpa, ou contra os fichas sujas na política ¿ fruto do trabalho de um ano do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. A ideia é barrar a candidatura de quem tenha problemas a resolver com a Justiça.

Pois bem. A beleza do ato da manhã no salão verde foi torrada pelo sol do meio-dia. Perto da hora do almoço, mal o secretário-geral da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Dimas Lara, terminou uma entrevista às TVs para destacar a importância do projeto, os deputados, à boca pequena, falavam das mudanças que pretendem fazer no texto. Por exemplo, muitos acham que a inelegibilidade deve atingir apenas quem for condenado em segunda instância e não na primeira, como está na proposta popular.

No final da tarde, quando a maioria dos políticos se fecha no plenário e muitos esquecem o que ocorre no mundo aqui fora, a aposta geral era a de que a proposta não sobreviveria a uma análise criteriosa da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. E o argumento era simples. Muitos acham que o projeto é inconstitucional.

O artigo 5º da Carta Magna, o que fala das garantias individuais, estabelece que todo mundo tem direito à ampla defesa. A pessoa só é considerada culpada depois de sentença transitada em julgado ¿ isso para muitos especialistas significa esgotadas as possibilidades de defesa, quando o sujeito já recorreu em todas as instâncias e foi considerado culpado. Logo, argumentam alguns parlamentares, para que as candidaturas dos fichas sujas seja barrada, seria preciso uma emenda constitucional.

O recado dos congressistas está dado: por mais que o presidente da Câmara, Michel Temer, dê celeridade à tramitação do texto, as dúvidas sobre sua aprovação persistem. Os deputados não consideram que, do ponto de vista constitucional, não há lei que possa evitar a candidatura de cidadãos condenados em primeira instância, como deseja o projeto assinado pelos brasileiros.

Se a mensagem dos políticos está clara, a vontade do eleitor também. Por mais que eles se inclinem a não votar logo o texto constitucional, a iniciativa do projeto mostra em que direção a sociedade deseja seguir. É um recado para os políticos na linha do ¿fique esperto¿, ¿cansei de ser ludibriado¿, ¿de ver meu imposto mal aplicado¿. E quanto mais brasileiros estiverem nessa batida, melhor.

No geral, a terça-feira calorenta no Congresso não ficou resumida a uma pregação no deserto porque algum efeito daqui para frente essa proposta terá. Mas, por enquanto, é fato que os políticos dificilmente vão votar logo o projeto que barra os fichas sujas. Quem quiser aprovar essa lei, mesmo que seja para transformar o texto numa emenda constitucional, tem que ficar na cobrança.

E, para nós, que vamos votar em 3 de outubro de 2010 para governador, senador, deputado federal e estadual/distrital, fica a lição: o único meio eficaz de barrar os fichas-sujas, hoje e amanhã, é o voto consciente. Pesquise você a ficha dos candidatos. Eu farei isso. E o que souber, te conto.