Título: Polêmica envolve a volta das hidrelétricas com reservatórios
Autor: Ordoñez, Ramona; Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 12/08/2012, Economia, p. 41

Ambientalistas atacam o modelo, mas térmicas triplicariam poluição

O setor elétrico brasileiro está travando uma discussão de deixar os ambientalistas de cabelo em pé: a possibilidade de voltar a construir usinas hidrelétricas com reservatórios. Desde o início da década passada, diante de forte campanha de ecologistas, passaram a ser construídas apenas as chamadas usinas a fio d’água, sem reservatório, que visam a reduzir os impactos ambientais. Só que isso, dizem especialistas, está levando ao aumento do preço pago pelo consumidor e, ironicamente, a mais emissões de gás carbônico (CO2).

Dados da consultoria PSR revelam que, até o fim de 2020, com a entrada em operação das usinas térmicas, que usam energia mais suja, o volume das emissões de CO2 vai mais que triplicar em relação ao início da década: passarão de 22 toneladas de CO2 para 72 toneladas para cada gigawatt por hora (GWh) consumido.

GREENPEACE: “FALSO DILEMA”

O aumento nas emissões acontece porque, nos períodos secos, de maio a outubro, as hidrelétricas são obrigadas a reduzir a geração de energia, devido à menor vazão dos rios. Como não há água suficiente nos reservatórios, o sistema tem de acionar as usinas térmicas, seja a gás, óleo combustível ou carvão, bem mais caras e poluentes. Por outro lado, além dos impactos na biodiversidade provocados pelos reservatórios, ambientalistas listam questões como a remoção de tribos indígenas. Até projetos como Belo Monte, no Pará; Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, mesmo sendo a fio d’água, sofrem oposição.

Durante a Rio+20, em junho, o Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico, que reúne 18 associações ligadas ao segmento, em conjunto com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), apresentou um documento que destacava a necessidade de o país rever a construção de usinas com reservatórios. A PSR estima que, a cada 1% de perda de capacidade dos reservatórios no país, há aumento de 23% nas emissões.

Rafael Kelman, da PSR, destaca que os reservatórios são fundamentais para viabilizar uma geração de energia mais limpa no Brasil, assim como as energias solar, eólica e a biomassa. Porém, segundo ele, essas fontes renováveis dependem de sol, vento e safra da cana. Assim, sem água armazenada, é preciso complementar com as térmicas:

— A discussão da volta de reservatórios é crescente, mas é preciso fazer sem estar pintado para a guerra — pondera.

RESERVATÓRIOS MENORES

Marcelo Moraes, coordenador do Fórum, também lembra que a volta de usinas com reservatórios é necessária para o país manter o elevado percentual de sua matriz energética limpa e renovável (45%). Moraes destaca que, em algumas regiões, é possível construir hidrelétricas com reservatórios não tão grandes como os construídas nos anos 70 e 80, como Tucuruí, no Pará:

— Há pouco mais de dez anos, o Brasil tinha o equivalente a quatro anos de capacidade de energia armazenada. Hoje, não chega a um ano. Do outro lado, o Greenpeace critica o fato de o setor voltar a falar em reservatórios. Para Sérgio Leitão, diretor de Campanha da ONG, os empresários criaram um “falso dilema”. Para ele, o ideal é estimular as energias alternativas.

Segundo as contas de Moraes, se fossem explorados todos os empreendimentos na Amazônia, sem considerar áreas de preservação ou indígenas, seria alagado 1% da área e se permitiria uma geração de 120 mil megawatts (MW), quase a capacidade instalada atual do país, de cerca de 110 mil MW.

A advogada ambiental Adriana Coli diz que muitos ambientalistas já admitem discutir a volta dos reservatórios:

— Quando ocorre um período de seca muito grande, o reservatório pode liberar a água para manter a vazão do rio e, com isso, preservar as espécies, assim como também pode conter a água quando os rios estão cheios.

Carlos Maurício Ribeiro, especialista em direito ambiental, não vê necessidade da volta dos reservatórios:

— É possível combinar usinas a fio d’água com energia eólica numa parte do ano, e solar, em outra. Mas a energia solar ainda é muito cara.

Para o professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe/ UFRJ, a necessidade de construir hidrelétricas com reservatórios nunca desapareceu.

— Em 2001, quando houve o racionamento, foram os reservatórios que salvaram o Brasil. De lá para cá, deixamos de construí-los. Paga-se um preço por isso, gerando energia com as térmicas. E as renováveis têm o problema de depender do sol e do vento.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine), Luiz Fernando Vianna, não será fácil negociar com ambientalistas.

— O Brasil vai ter de acrescentar 3 mil MW todo ano. Cada fonte tem sua vocação. Belo Monte só vai conseguir aproveitar 41% do potencial de 11 mil MW. Como há período de secas, a usina não gera energia o ano todo.

Procurados, o Ministério de Minas e Energia, a Empresa de Pesquisa Energética e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não responderam.

AS POLUENTES AVANÇAM

Enquanto o setor elétrico discute a volta dos reservatórios, as térmicas a óleo, mais poluentes, ganham espaço. Dados da Aneel mostram que estão em construção no Brasil nove usinas a óleo contra seis a gás natural. Além disso, há três térmicas a carvão (todas de Eike Batista), com 1,4 mil MW. Ao todo, 40 usinas estão em construção, com potência de 5,7 mil MW.

Estudo feito pela Coppe/ UFRJ revela o cenário difícil. Uma térmica a óleo emite 1,2 t de CO2 por MW/hora. Já uma usina a carvão, despeja no meio ambiente 1,3 t por MWh. Enquanto isso, numa hidrelétrica, o volume de emissões varia de 0,05 t e 0,5 t.

Já Xisto Vieira Filho, presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), garante que as usinas a carvão contam com tecnologias que permitem eliminar cerca de 95% das emissões.

— Atualmente, as usinas, em períodos de secas, só geram energia durante 5,5 meses. Em seis anos, com o aquecimento da economia, esse número vai baixar para 3,7 meses. O que garante energia é térmica e reservatório. É preciso achar uma solução intermediária.