Título: Uma longa espera pela casa própria
Autor: Fariello, Danilo; Gama, Junia
Fonte: O Globo, 12/08/2012, Economia, p. 39

Minha Casa, Minha Vida, do governo Lula, não entregou 400 mil moradias, ou metade do que prometeu

BRASÍLIA No vigésimo mês após o encerramento do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, quase metade das casas contratadas na primeira versão do programa Minha Casa, Minha Vida ainda não foi entregue. Trata-se de mais de 400 mil do total de um milhão de novas habitações. Essa situação é crítica, principalmente para os mais pobres. Do total de 483 mil residências prometidas para essa população que ganha até R$ 1,6 mil, apenas 208 mil estão ocupadas, ou seja, 57% ainda estão à espera dos novos moradores.

Dados obtidos pelo GLOBO com os números das primeira e segunda fases nunca haviam sido divulgados em separado, ocultando a lentidão nas entregas contratadas na era Lula. A maior celeridade da segunda fase do programa acaba por tornar o desempenho geral mais positivo, levando a 856 mil o número de residências já entregues ao todo. O problema é que o governo tem metas para as contratações do programa, mas não para a entrega das casas aos moradores.

- Acho que o governo iludiu o povo, porque a maioria não consegue (a casa), e tem muita casa pronta, mas não tem como chegar até lá, cadastrar-se e ser aprovado para morar - disse Rita de Cássia Guimarães, que fundou a ONG Mami, no Distrito Federal, com a qual auxilia famílias da região de Riacho Fundo a preencherem os cadastros dos programas governamentais de moradia.

Do programa do governo Lula, há ainda 80 mil imóveis que sequer atingiram 50% de seu estágio de execução, de acordo com dados do governo federal organizados até o dia 24 de julho deste ano. Contudo, em nota enviada ao GLOBO, a Caixa Econômica Federal, responsável pelo programa, prevê que, até o fim deste ano, será entregue o restante das casas prometidas no Minha Casa, Minha Vida.

faltaram contrapartidas

Quanto mais o tempo passa, no entanto, menor é a probabilidade de que todas essas casas cheguem a seus novos donos. Como os valores pagos aos construtores não são corrigidos desde 2010 e os custos das obras aumentaram por causa dos atrasos, tornam-se pequenas as chances de os construtores terminarem as novas habitações.

A demora nas entregas foi motivada por uma série de razões que, em geral, têm sido sanadas ou dribladas na segunda versão do programa. Uma delas foi a falta de contrapartidas de estados e municípios, que deveriam oferecer sem custo, por exemplo, os terrenos onde seriam construídos imóveis com um teto de até R$ 56 mil por casa. Esse valor era menor no início do Minha Casa, Minha Vida.

Com a escassez dessas contrapartidas e a disparada dos preços de terrenos no país com o aumento da demanda no setor imobiliário nos últimos dois anos, construir casas baratas tornou-se tarefa quase inviável.

Na segunda fase, por um lado, há menos dependência das contrapartidas, mas, por outro, também há menos casas para as pessoas da menor faixa de renda.

Essa situação se agravou pelo desinteresse de construtoras por essas obras. Elas descobriram que as casas que seriam destinadas à população de renda mais baixa poderiam ser vendidas por preços mais altos se fossem oferecidas a quem pertence a faixas de renda superiores, que conta, por exemplo, com financiamento pelo FGTS. As empresas, portanto, poderiam faturar mais. Principalmente por esse motivo, as casas destinadas a famílias com renda de até R$ 5 mil têm ficado prontas mais rapidamente.

Houve, ainda, locais em que as construtoras passaram por dificuldades financeiras e tiveram seus contratos rescindidos. Apenas posteriormente foram abertas novas licitações. Nessa situação, estão cerca de 20 mil unidades na Bahia. Em Alagoas, contratos com 1.800 casas também tiveram de ser refeitos pelo mesmo motivo. Essas situações específicas promoveram ainda mais atrasos nas obras.

infraestrutura deficiente

Mesmo quando concluídas as construções, há outros percalços até a entrega das chaves. Da primeira fase do Minha Casa, Minha Vida, há quase 150 mil casas prontas, mas sem moradores, por problemas como falta de conexão de redes de água e de esgoto, de ligação de luz elétrica ou mesmo por burocracias cartoriais.

O governo tem convocado a Caixa, distribuidoras de energia e representantes dos cartórios para acelerar a instalação do serviços, mas muitos entraves permanecem. Muitas das moradias prontas e não entregues, consequentemente, terminam como alvo de ocupações ilegais.

- O Minha Casa, Minha Vida não tem similaridade no mundo. Quando você começa um programa, tem uma série de dificuldades, e vai aprimorando à medida que vai tendo a experiência - afirmou Aguinaldo Ribeiro, ministro das Cidades.

A Caixa justificou, por meio de comunicado, que cerca de metade das casas da primeira fase do Minha Casa, Minha Vida foram contratadas no segundo semestre de 2010. Boa parte delas ainda estaria em obras, uma vez que o prazo médio de construção é de 24 meses.

Espera levou a desistências

Antes de deixar o governo, o ex-presidente Lula conseguiu superar qualquer previsão otimista do mercado e contratou mais de 120 mil casas somente no mês de dezembro de 2010. Assim, bateu a meta que havia imposto de um milhão de contratações.

O atraso nas entregas, entretanto, fez com que alguns dos inscritos no programa mudassem de ideia depois de tanto tempo à espera da promessa.

Gabriela Carvalheiro Barras, que, com o marido, tem renda mensal de R$ 1,2 mil, preferiu continuar pagando aluguel no Distrito Federal quando finalmente lhe foi oferecida uma casa pelo Minha Casa, Minha Vida no distrito de Céu Azul, em Valparaíso de Goiás, a 37 quilômetros de Brasília. E adiou o sonho da casa própria.

- Antes, eu queria a casa e achava que ela valia a pena. Mas quando me ofereceram, não me interessava a localização, porque lá não tinha asfalto e era perigoso - afirmou Gabriela.