Título: Esforço para barrar posse
Autor: Augusto, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2009, Política, p. 5

Justiça Eleitoral e Ministério Público tentam impedir que câmaras municipais empossem suplentes. Procuradoria entra com ação no STF

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ressalta que a emenda constitucional ¿promove imensa interferência em eleições encerradas¿

No mesmo dia em que os dois primeiros suplentes de vereador tomaram posse em Minas Gerais escorados pela aprovação da emenda constitucional que aumentou o número de cadeiras nas câmaras municipais do país, a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Federal (MPF) decidiram, ontem, tentar impedir a criação imediata das 7.623 vagas previstas na norma promulgada dia 22 pelo Congresso.

O MPF entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), com pedido de liminar, contra o artigo da emenda que faz retroagir o efeito do texto para as eleições de 2008. Na argumentação do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a mudança, sem nenhuma justificativa, ¿promove imensa interferência em eleições encerradas, colocando todos os municípios do país a refazer os cálculos do coeficiente eleitoral e partidário, com nova distribuição de cadeiras, a depender dos números obtidos, que podem, inclusive, trazer à concorrência partidos que não obtiveram lugares anteriormente¿.

No mesmo momento em que o MPF dava entrada na Adin, o presidente da Câmara Municipal de Conselheiro Pena, região leste de Minas Gerais, Marcos Felicíssimo Gonçalves (PRB), todo orgulhoso, dava entrevista afirmando ser o primeiro do estado ¿ e o segundo presidente de câmaras de todo o país ¿ a dar posse a suplentes depois da promulgação da emenda. O primeiro foi Eliézer Fernandes (DEM), da Câmara de Bela Vista de Goiás, na sexta-feira. Em ambas, o número de vereadores foi alterado de nove para 11.

Na ação, o procurador-geral pontuou, ainda, que a norma provoca ¿instabilidade institucional absolutamente conflitante com os compromissos democráticos assumidos na Constituição da República¿ e ¿revira procedimento público de decisão, tomada pelo povo em sufrágio, com inserção intempestiva de novos padrões num modelo rígido de regras fixadas pelo constituinte originário¿. Ainda conforme o procurador-geral, ¿o resultado inevitável de intervenção casuística dessa estatura é a crise de legitimidade da decisão tomada, que jamais poderá, num ambiente tal, ser dada como definitiva¿. A Adin terá como relatora a ministra Cármen Lúcia.

Pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente do órgão, Carlos Ayres Britto, enviou aos TREs do país ofício em que relata consulta feita pelo deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) em 2007 sobre a possibilidade de a PEC, que àquela época já tramitava no Congresso, ter efeito retroativo. A posição da Corte foi a de que a proposta só valeria a partir das eleições seguintes. Em resposta à consulta, o TSE diz, citando jurisprudência, que ¿o número de vereadores há de ser fixado antes de iniciado o processo eleitoral, vale dizer, antes do prazo final de realização das convenções partidárias para escolha dos candidatos¿.

Entendimento A assessoria de Ayres Britto afirmou que o ministro, ao enviar o ofício aos tribunais regionais, apenas relatou um entendimento do tribunal, e que cada TRE tem autonomia para aplicar a legislação da forma que julgar correta. Em Minas, conforme posicionamento do presidente da Corte, Almeida Melo, enviado a todos os juízes eleitorais, as mudanças só passam a valer a partir das próximas eleições.

Momentos antes de tomar conhecimento da Adin impetrada no STF pelo Ministério Público Federal, o coordenador das promotorias eleitorais de Minas Gerais, Edson Rezende, afirmou que todas as posses de suplentes de vereador realizadas no estado com base na emenda seriam contestadas na Justiça. Na prática, porém, todas deverão ser canceladas com a decisão do TRE e, também, na hipótese de o ministério público conseguir a liminar no STF. O promotor lembrou, ainda, que alterações no quadro de vereadores precisam constar nas leis orgânicas dos municípios. ¿O que a Constituição faz é estabelecer um limite¿, pontuou.

Sobre as implicações relacionadas ao coeficiente eleitoral ¿ que determina o número de cadeiras ao qual cada partido terá direito ¿ , o promotor, no mesmo sentido do MPF, afirma que, na hipótese de a emenda ter força retroativa às eleições do ano passado, deveriam ser feitas contas com base no novo número de cadeiras das câmaras. ¿Como a nova legislação vale para a eleição de 2008, a Justiça Eleitoral teria que fazer outro cálculo do coeficiente eleitoral com base neste novo cenário, o que a torna inaplicável¿, diz o promotor.

Cálculo O coeficiente eleitoral é calculado da seguinte forma: em um primeiro momento, divide-se o total de votos válidos pelo número de cadeiras nos parlamentos. Em seguida, divide-se o total de votos alcançados por cada partido pelo resultado da conta anterior, encontrando, assim, o número de cadeiras ao qual cada partido terá direito.

Previsão de embate jurídico

O presidente da Associação Brasileira das Câmaras Municipais (Abracam), Rogério Rodrigues da Silva, afirmou ontem que a entidade vai fornecer assessoria jurídica aos suplentes de vereadores que quiserem contestar posicionamentos contrários à emenda que aumenta o número de cadeiras nas câmaras municipais do país. Sobre o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rogério disse que ¿o tribunal não pode decidir se é interessante um município ter esse ou aquele número de vereadores. A Corte já criou muita insegurança política nas eleições de 2004¿, afirmou, referindo-se ao corte no número de vereadores decidido pelo tribunal há cerca de cinco anos, decisão anulada pela emenda promulgada na semana passada.

A proposta apresenta 24 faixas, que vão de nove vereadores para cidades de até 15 mil habitantes até 55 parlamentares para municípios com população superior a 8 milhões de pessoas. Hoje, somente São Paulo se enquadra nessa faixa.

A Constituição, antes da promulgação da emenda, previa três faixas, com número mínimo e máximo de parlamentares, assim distribuídos: de nove a 21 vereadores para municípios com até 1 milhão de habitantes, de 33 a 41 onde a população é superior a 1 milhão e inferior a 5 milhões de habitantes, e de 42 a 55 em cidades com mais de 5 milhões de pessoas.

A emenda também reduz os repasses para as câmaras municipais. Conforme o presidente da Abracam, a economia aos cofres públicos será de R$ 350 milhões por ano em Minas Gerais, estado com maior número de municípios (853). A maior parte da economia partirá dos municípios com até 100 mil habitantes, população de aproximadamente 97% das cidades do estado. Pelo texto aprovado pelo Congresso, o percentual de repasse para cidades com este porte cairá de 8% para 7%. A conta leva em consideração a receita alcançada pelas prefeituras no ano anterior. (LA)