Título: Mensalão: a porta de entrada
Autor: Beck, Marcio
Fonte: O Globo, 12/08/2012, O País, p. 6

PT e PSDB polarizam o cenário político nacional há décadas. O julgamento do processo conhecido como mensalão, todavia, tem relembrado à opinião pública a existência de uma espécie de ponto de convergência entre ambos: Marcos Valério. Réu no processo do Supremo Tribunal Federal (STF) por envolvimento com o PT, Valério também responde a processos por ilicitudes ocorridas no governo tucano de Eduardo Azeredo em Minas Gerais. Nos dois casos, impressiona a desenvoltura com que se relacionava com os governos, tanto estadual quanto federal - sobretudo as empresas estatais (Banco do Brasil e Correios) - e com a Câmara dos Deputados, na gestão de João Paulo Cunha. Mesmo não sendo publicitário de formação, seu networking era de dar inveja aos grandes nomes do setor. Por exemplo, fato não contestado pela defesa, Valério frequentou várias vezes o gabinete do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu.

Independentemente do resultado do julgamento no STF, causa estranhamento a proximidade de Marcos Valério, contratado de órgãos e entidades governamentais, e seus contratantes. Pouco questionada nos debates jurídicos no STF, a ideia de licitação deveria servir para garantir a transparência, a publicidade e a impessoalidade das contratações da administração pública. Mas, a menos que se acredite em meras coincidências, ela não foi capaz de limitar as amplas redes de relacionamento de Valério. Ao contrário. Não é implausível imaginarmos que os processos licitatórios foram as portas de entrada para várias ilegalidades (desvio de dinheiro público, lavagem de dinheiro e corrupção, como argumenta a defesa, ou caixa dois de campanhas eleitorais, como sustentam alguns réus) que agora estão sendo discutidas no julgamento.

Terror de muitos gestores públicos bem intencionados, nosso modelo institucional de contratação pública é um dos mais rígidos do mundo. Reinam os procedimentos e as formalidades. O formalismo, contudo, não parece ser capaz de frear as habilidades de relacionamento de Marcos Valério. Afinal, aparentemente, não conduziram à transparência e à impessoalidade.

Há anos, discutem-se no governo e no Congresso Nacional mudanças que visam a reduzir o engessamento e ampliar o controle por resultados e a transparência. Desde a versão original da Lei nº 8666/93, algumas dessas discussões avançaram. É o caso da modalidade de pregão eletrônico e do sistema de registros, que têm se consolidado Brasil a fora. Mas, talvez, precisemos ser mais ousados. Ajudará muito a ousadia se a publicidade que cerca o processo do mensalão servir não apenas para a opinião pública discutir os sintomas, mas para ampliar os debates sobre as causas de nossa corrupção.