Título: Bate-boca federal
Autor: Vaz, Lúcio; Mendes, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2009, Política, p. 7
TCU aponta irregularidades em obras do PAC e provoca reação agressiva do governo, que acusa o tribunal de querer acumular funções de julgar, legislar e executar
A Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, é a maior obra do PAC a sofrer corte de recursos por indícios de irregularidades: contratos de R$ 11 bilhões
A inclusão de 15 projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na lista de obras que serão paralisadas por causa de irregulares apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) provocou ontem um bate-boca entre o ministro do Planejamento, Paulo Bernando, e os ministros da Corte de contas. ¿Eles estão assumindo funções de Judiciário, Legislativo, e querem executar também. Tenho certeza que há uma anomalia nisso¿, afirmou Bernardo, que chegou a defender a contratação de ¿auditorias externas e independentes¿. ¿O tribunal, por não ser uma casa política, não se curva a nenhum tipo de pressão¿, respondeu o ministro Aroldo Cedraz, relator da auditoria que apontou as obras com indícios de irregularidades graves.
Das 65 obras nessa situação, 32 fazem parte do PAC, o principal trunfo eleitoral do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Desse total, 15 empreendimentos ¿ com contratos no valor total de R$ 21,3 bilhões ¿ serão paralisados. Os 17 restantes ¿ no valor de R$ 3,9 bilhões ¿ poderão ter continuidade, mas sofrerão uma retenção cautelar de recursos no valor de R$ 437 milhões, por causa de indícios de sobrepreço.
A maior obra a sofrer corte de recursos será a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cujos contratos somam R$ 11 bilhões. Também houve recomendação de paralisação dos serviços na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, no Paraná, uma obra de R$ 8,8 bilhões. A palavra final será do Congresso, mas as recomendações do TCU têm sido seguidas quase que integralmente nos últimos anos.
Entre os projetos que terão retenção parcial de recursos destacam-se dois trechos da Ferrovia Norte-Sul, um em Goiás, no valor de R$ 709 milhões, e outro em Tocantins (R$ 1,37 bilhão). Ao todo, são 10 contratos que terão cortes entre 5% e 10%. Outras obras de grande porte que sofrerão retenção cautelar são as implantações de trens urbanos em Salvador, com contratos de R$ 456 milhões, e Fortaleza ¿ R$ 680 milhões.
Ataque Paulo Bernardo atacou duramente o TCU. ¿O tribunal diz que tem indícios. Às vezes, tem problemas, às vezes não tem. Vou citar um caso. Nós temos uma Copa do Mundo, que vai acontecer em 2014. Já tem uma comissão especial no TCU para fiscalizar. Se continuar desse jeito, nós temos que combinar com a Fifa (Federação Internacional de Futebol) e fazer essa Copa em 2020, porque provavelmente eles vão parar tudo¿, ironizou.
O ministro do Planejamento apontou uma alternativa ao trabalho do TCU: ¿Poderíamos modernizar, fazer auditorias externas nesses negócios e contratar auditorias externas. Contratar auditores independentes, porque não é possível a gente ficar o tempo todo nesse bate-boca se tem ou não tem (indícios de irregularidades). E, normalmente, quando acaba o problema, ninguém fala mais no assunto. Você só fala quando alguém diz que tem indícios. O que são indícios? Tem que ir claramente lá e dizer. Apontar onde está superfaturado é uma coisa. Levantar suspeitas, dizer que tem indícios e ficar seis meses sem resolver o problema é completamente diferente¿.
O papel do TCU foi discutido em detalhes pelo ministro de Lula. ¿O TCU é uma Corte de fiscalização ligada ao Congresso Nacional. Quem faz a lei é o Congresso. O Executivo, executa. O que nós temos observado é que, muitas vezes, o TCU quer dizer para o governo o que tem que ser feito. Isso aí não é função deles. Eles têm que fiscalizar de acordo com as leis, e não querer fazer leis como eles fazem.¿
Defesa Na sessão que aprovou a lista de obras irregulares, o presidente do TCU, Ubiratan Aguiar, praticamente se antecipou às críticas de Bernardo. Mas ele, na verdade, referia-se a ataques anteriores do presidente Lula. ¿O TCU não está subordinado a nenhum poder, está subordinado à lei. Não nos interessa a paralisação de obras, mas não podemos deixar prosperar a fraude e o conluio.¿ Ele também condenou o lobby das empresas de construção civil para retirar atribuições e poderes do tribunal. ¿Desejamos a contribuição da iniciativa privada, mas não promovendo estudos, contratando escritórios para comparar o trabalho do TCU com o de Cortes anglo-saxônicas, que vivem uma realidade diferente¿, criticou.
O ministro Valmir Campelo, do TCU, também procurou analisar os interesses daqueles que atacam o tribunal. ¿Seria o desejo daqueles que querem superfaturar obras. Querem mudar nossas atribuições? Que mudem.¿ Já o ministro José Jorge preferiu a ironia: ¿Eu me preocuparia mais se quem a gente fiscaliza nos elogiasse. Que dissessem: `O TCU é uma mãe¿¿.
Dilma Considerada a ¿mãe do PAC¿, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi mais comedida nas críticas ao TCU, já incorporando o discurso de candidata à Presidência em 2010. ¿Sempre que o TCU divulga isso (indícios de irregularidades), algumas vezes nós concordamos, outras vezes, nós discordamos. Quando nós discordamos, procuramos, em várias etapas, direito de resposta e o contraditório. Eu acredito que não vai ser diferente nesse caso¿, disse.