Título: O apelo das filhas de Cesare Battisti
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2009, Brasil, p. 8

Valentina e Charlene visitam o pai no Complexo da Papuda e ressaltam que temem pela morte dele, caso tenha de voltar à Itália. A irmã mais velha conta ao Correio que o ex-militante ainda acredita numa reviravolta na votação

Charlene (E) e Valentina no Aeroporto Internacional de Brasília, antes de embarcarem para Paris: esperança de uma possível permanência do pai no Brasil motiva as meninas

Carlos Silva/Esp. CB/D.A Press - 15/9/09 Battisti na Papuda: ele não sabia da visita das filhas e chorou ao vê-las

A filha mais velha do ex-ativista Cesare Battisti, Valentina Battisti, 25 anos, é uma moça de poucas palavras. Mas nelas, sabe se expressar com clareza e convicção de ideias. Diz que teme pela vida do pai, caso ele seja extraditado para a Itália. O Supremo deve decidir em outubro o futuro escritor ex-militante do Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), grupo que fazia oposição ao governo italiano nos anos 1970. Battisti foi condenado à prisão perpétua pela justiça italiana, apontado como responsável por quatro assassinatos. ¿O nosso medo é que o matem na prisão¿, reforça a jovem.

Valentina e a irmã mais nova, Charlene Battisti, 14 anos, desembarcaram em Brasília em 24 de setembro e seguiram direto do aeroporto para o Complexo Penitenciário da Papuda, onde o ex-ativista está preso há quase dois anos, à espera da sentença do Supremo Tribunal Federal (STF) que vai definir se ele deverá ou não ser extraditado. As irmãs permaneceram no país até ontem, quando viajaram de volta a Paris, onde moram ¿ a mais nova com a mãe e a mais velha com o namorado.

Minutos antes de entrar na sala de embarque, elas conversaram com o Correio sobre a visita ao pai na penitenciária. Valentina rebateu as acusações que recaem sobre o ex-militante. Afirmou ter convicção da inocência dele e ressaltou o medo do que pode acontecer com Cesare Battisti. ¿A Itália fará muito mal a ele, na prisão¿, disse, com a voz embargada pelo choro. ¿O tratarão muito mal¿, completou.

A filha Charlene também afirmou ter esperança na permanência do pai no Brasil. ¿É o que queremos¿, destacou a jovem, que passou mais de dois anos sem ver o pai. O último contato havia sido na Polícia Federal, quando Battisti foi preso no Rio de Janeiro, em 2007. Valentina conseguiu ver o ex-ativista há cerca de um ano. ¿A mãe não tem dinheiro para mandar as duas para o Brasil com frequência, a viagem é muito cara. Desta vez só foi possível porque os amigos juntaram dinheiro para pagar as despesas¿, contou, por telefone, a escritora Fred Vargas, amiga pessoal do ex-militante.

A irmã gêmea dela, Jo Vargas, acompanhou as meninas na passagem por Brasília e disse que o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) foi quem providenciou a entrada delas na cadeia. O parlamentar acompanhou a visita e ficou encarregado de entregar uma carta do ex-ativista ao presidente Lula. ¿Ele (Battisti) não sabia da visita, ficou surpreso e chorou muito ao ver as duas¿, afirmou. ¿Ele passou a sensação de uma pessoa forte, muito corajosa. Não perdeu a esperança¿, disse Valentina, sobre a conversa com o pai.

Aos 54 anos, Cesare Battisti é hoje o pivô de um impasse que opõe Brasil e Itália. Condenado no país europeu, foi preso no Rio de Janeiro em março de 2007 e transferido para o Complexo Penitenciário da Papuda, onde está até hoje. A Itália providenciava o processo de extradição, mas o governo brasileiro concedeu refúgio político ao ex-militante.

Desde então, o governo italiano trava uma batalha no STF pela extradição. A corte começou a analisar o caso em 9 de setembro, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Marco Aurélio Mello, quando o placar estava 4 votos a 3 pela extradição do italiano.

A mãe não tem dinheiro para mandar as duas para o Brasil com frequência, a viagem é muito cara. Desta vez só foi possível porque os amigos juntaram dinheiro¿

Fred Vargas, escritora e amiga pessoal de Cesare Battisti

Toffoli pode mudar história da votação

A expectativa é que o julgamento seja retomado na segunda semana de outubro, mas o ministro Marco Aurélio Mello ainda não definiu a data. Especula-se que o voto dele será favorável à permanência de Battisti no Brasil. Caso a indicação de José Antonio Dias Toffoli para o Supremo seja formalizada até lá, o entendimento dos demais ministros é que ele poderia votar, se julgar que tem condições, mesmo com o debate já em curso.

Apesar disso, alguns magistrados afirmam reservadamente que ele já sinalizou não ter a intenção de participar do julgamento. Mas, caso mude de idéia, pode haver uma reviravolta no placar, já que ele tenderia a ser favorável ao posicionamento do governo ¿ ou seja, contra a extradição de Battisti. Embora fosse advogado-geral da União no dia do julgamento, Toffoli não foi ao STF defender o Ministério da Justiça. A tarefa coube a Fabíola Souza de Araújo, advogada do próprio ministério.

O relator do caso no STF, Cezar Peluso, foi favorável à extradição por entender que não houve motivação política para os crimes e, nesse caso, o refúgio seria irregular. Os ministros contrários a essa tese defenderam que a decisão de refugiar um estrangeiro é de competência exclusiva do Poder Executivo. Se Cesare Battisti tiver de voltar para a Itália a mando do STF, ele não terá de cumprir prisão perpétua. Isso porque, nesse caso, o Brasil exige que seja aplicada a punição equivalente pelas leis daqui, que para homicídio prevê, no máximo, 30 anos de cadeia. (DM)

entrevista VALENTINA BATTISTI Sentimentos que vão do medo à esperança

A filha mais velha de Cesare Battisti, Valentina Battisti, 25 anos, conversou com o Correio minutos antes de embarcar rumo a Paris, onde mora. Acompanhada da irmã, Charlene Battisti, 14 anos, se emocionou ao falar sobre uma decisão favorável à extradição do pai. As duas estiveram em Brasília para visitar Cesare Battisti no Complexo Penitenciário da Papuda. ¿O nosso medo é que o matem na prisão italiana¿, desabafou.

Como foi a conversa na prisão? Vocês puderam entrar lá tranquilamente? Sim. Foi difícil no começou porque foi preciso que uma moça o ajudasse. Ele está muito ansioso (com o julgamento).

Como ele está de saúde? Se está doente, preferiu não dizer a nós.

Do que vocês falaram? Das coisas da vida, a saúde dele, de coisas do cotidiano, como ele tem passado os dias na cadeia.

O que vocês sentiram ao conversar com ele? Ele passou a sensação de uma pessoa forte, muito corajosa. Não perdeu a esperança.

Mas o STF sinaliza a disposição de extraditá-lo. Mesmo assim, ainda acredita num resultado favorável? Ele espera uma decisão positiva para ele. Tem muita esperança de que a verdade prevaleça, de que os fatos sejam esclarecidos.

E vocês? Esperamos o mesmo. Torço muito para que, da próxima vez que estivermos no Brasil, seja para vê-lo livre, fora da cadeia.

Você não quer que ele volte para a Itália? Não, eu não espero isso.

Por quê? A Itália fará muito mal a ele, na prisão¿ (começa a chorar) ¿o tratarão muito mal. O nosso medo é que o matem na prisão italiana.

Seu pai é inocente? Sim. Tenho certeza disso.

Mas ele foi condenado na Itália e em outras três cortes internacionais. Foi (um julgamento) político e ninguém se interessou em ver o processo porque está muito claro que não sabem o que aconteceu, não sabem a verdade nem um pouco.

Caso ele fique no Brasil, vocês pensam em viver com ele aqui? Sim, é possível. Meu coração pede isso, que ele fique no Brasil e permaneça livre. É o que quero muito.