Título: Pacote de concessões supera dogma ideológico
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Fonte: O Globo, 16/08/2012, Opinião, p. 22

Os problemas estruturais enfrentados pela economia nas últimas décadas - inflação aguda, endividamento público elevado, crédito internacional restrito etc. - afetaram profundamente a capacidade de investimento do país, em especial na infraestrutura, cujo horizonte é de longo prazo. Ainda na fase de superação destes problemas estruturais, para retomar investimentos, a economia brasileira teve que se apoiar na mobilização de grupos privados, nem sempre dentro de uma situação ideal, mas na que foi possível naquele momento. E com resultado positivo, pois, graças a privatizações e concessões de serviços públicos, passos foram dados e o país não parou.

Esse modelo foi inicialmente rejeitado pelo governo Lula, com tal posição servindo até de bandeira no embate com seus adversários políticos. Felizmente, o dogma ideológico foi perdendo força, à medida que a infraestrutura se deteriorava, e terminou superado com a constatação do governo Dilma de que, sem a atuação do setor privado, o crescimento da economia continuará anêmico. Saber se é por meio de "privatizações" ou "licitações" não passa de dúvida semântica.

É neste contexto que se coloca o pacote, anunciado ontem pela presidente Dilma, de concessões ao setor privado calculadas em R$ 133 bilhões ao longo de três décadas. O programa, para a ampliação de investimentos em transportes (espera-se, agora, que, além de rodovias e ferrovias, os demais segmentos do setor venham a ser contemplados), é, portanto, bem-vindo.

Que a essência do programa mantenha um caráter pragmático, reconhecendo o papel fundamental do setor privado na alavancagem e execução dos investimentos, cabendo ao setor público a função de coordenação, planejamento, parceria e complementaridade. Função em que se espera uma qualidade gerencial ainda não demonstrada em Brasília.

Não é de hoje que os especialistas em transportes defendem uma maior integração das modalidades de transportes. Os diferentes modais podem ser concorrentes entre si, mas em grande parte dos casos um ajuda o outro. Ferrovias e hidrovias certamente podem oferecer maior capacidade de transporte de granéis (minérios, grãos, combustíveis), mas seus traçados nem sempre vão até os pontos de carregamento e descarga. O caminhão possibilita a capilaridade do sistema.

Então, ferrovias, rodovias, hidrovias, portos e aeroportos constituem, na verdade, uma mesma malha, que, para funcionar bem, precisa de coordenação, planejamento e condições que viabilizem investimentos. É uma tarefa para políticas públicas. A operação dessa malha, porém, se faz de maneira mais eficiente nas mãos de concessionários privados. Se formos mesmo por este caminho, a possibilidade de acerto será muito maior que a de erro. Ataca-se, assim, causa importante do chamado custo Brasil.