Título: Fazenda contesta relatório do BC
Autor: Nunes, Vicente; Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 30/09/2009, Economia, p. 10

Tesouro garante que economizará mais em 2010 para conter inflação. Neste ano, gastos aumentaram quase R$ 50 bi

Respeito todas as opiniões e uma das que a gente leva muito em consideração é a dos nossos colegas do BC. Apenas reitero a minha tranquilidade de que os impulsos fiscais estão se dando no momento adequado¿ Arno Augustin, secretário do Tesouro

Quatro dias depois de o Banco Central culpar o governo pelo aumento das projeções de inflação para 2010 e 2011, devido aos ¿impulsos fiscais¿, o Tesouro Nacional informou que, entre janeiro e agosto deste ano, os gastos públicos aumentaram quase R$ 50 bilhões (16,1%) em relação ao mesmo período de 2008, somando R$ 356,1 bilhões. O crescimento das despesas se deu a despeito de as receitas totais terem caído R$ 3,7 bilhões, devido à desaceleração da atividade econômica por causa da crise mundial.

Foi esse descompasso, definido como ímpeto gastador pelo mercado, que levou o BC a mudar o cálculo de suas estimativas de inflação (de 3,9% para 4,4% no próximo ano) e encontrar um argumento técnico para bater no Ministério da Fazenda. Mas, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, não há motivos para preocupação. Para ele, a forte elevação nos gastos públicos foi vital para que o Brasil se tornasse um dos primeiros países a sair da crise. ¿Essa política anticíclica foi reconhecida internacionalmente. Tanto que o país recebeu, recentemente, mais um grau de investimento de uma agência de classificação de risco (a Moody¿s)¿, disse.

Ele garantiu, porém, que, depois de reduzir a meta de superávit primário deste ano de 3,3% para 1,56% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2010, alvo maior de preocupação dos analistas, a economia para o pagamento de juros da dívida pública voltará para 3,3%. ¿Em 2008, a economia precisava de um impulso fiscal negativo, e nós fizemos um primário maior. Em 2009, a economia está precisando de um impulso fiscal positivo, e nós estamos fazendo um primário menor. Em 2010, o superávit voltará à normalidade, porque esse é o impulso fiscal que a economia vai precisar. É isso o que acreditamos¿, frisou.

Indagado pelo Correio sobre as críticas do BC e as preocupações do mercado quanto à sustentabilidade das contas públicas, Augustin foi taxativo. ¿A gente respeita as opiniões de analistas, da oposição (ao governo). Eu respeito todas as opiniões, e evidentemente, que uma das (opiniões) que a gente leva muito em consideração é a dos nossos colegas de trabalho do Banco Central. Eu apenas reitero a minha tranquilidade de que os impulsos fiscais estão se dando no momento adequado.¿ Isso, inclusive, vale para os reajustes dados aos servidores neste ano, que elevaram a folha com pessoal em R$ 15,8 bilhões, para R$ 97,9 bilhões. Esse é o tipo de aumento de despesa mais criticado pelo BC, por ser de difícil reversão no futuro.

Na opinião de Augustin, o mais importante é que, mesmo com o aumento de gastos e a queda de receitas, o governo central (Tesouro, Previdência Social e BC) está fazendo superávit primário, ao contrário da maioria dos países do G-20, grupo das 20 nações mais ricas do mundo. Nos oito primeiros meses deste ano, a economia para o pagamento de juros alcançou R$ 23,8 bilhões, uma queda de 68,2% ante igual período de 2008 (R$ 74,9 bilhões). Em agosto, especificamente, o superávit totalizou R$ 3,7 bilhões. ¿Foi um bom resultado se consideradas as características do ano (de crise)¿, afirmou.

Estatais Os especialistas questionam, porém, a qualidade desse superávit, já que ele só foi conseguido graças aos dividendos repassados ao Tesouro por empresas estatais (R$ 18,2 bilhões contra R$ 9,8 bilhões entre janeiro e agosto do ano passado) e aos depósitos judiciais em poder da Caixa Econômica Federal, de R$ 7,9 bilhões. Não fossem esses recursos, o governo central teria registrado deficit. ¿Depósitos judiciais têm todos os meses e são receitas primárias, não tem nenhuma dificuldade quanto a essa compreensão. Dividendos também têm todos os anos, também não tem nenhuma artificialidade, pois as empresas estatais vêm registrando lucros¿, destacou Augustin.

Para o economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, diante da gastança que se viu nos últimos meses, a pretexto de se combater os efeitos da crise econômica, é vital que o governo realmente volte a fazer superávit primário de 3,3% do PIB em 2010 se não quiser pressionar a inflação e obrigar o BC a aumentar a taxa básica de juros (Selic), como aposta o mercado. ¿Se a meta de primário ficar em 3,3% do PIB, não haverá risco de pressões inflacionárias¿, afirmou.

No entender de Salto, ainda que o governo eleve a meta de superávit no ano que vem, o próximo presidente herdará uma situação fiscal bastante ruim, porque a qualidade dos gastos tem piorado. Enquanto as despesas do Tesouro Nacional cresceram 18,2% nos oito primeiros meses deste ano, os investimentos totais, fundamentais para a melhoria da infraestrutura do país, avançaram apenas 9%. Por isso, a Fitch, uma das três maiores agências de classificação de risco do mundo, comunicou ontem que, se o Brasil quiser melhorar as suas notas, terá de cortar gastos com a máquina e ampliar os investimentos.

Emissões de US$ 2 bi

Embalado pelo interesse cada vez maior dos investidores estrangeiros no país, o governo federal pretende emitir aproximadamente US$ 2 bilhões em títulos no mercado internacional até o fim deste ano. O objetivo, segundo o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, é substituir parcela da dívida externa que vencerá nos próximos três meses a custo menor e com prazos de pagamento mais longos.

O secretário afirmou que a primeira parcela dos títulos será emitida em dólares, mas a venda será feita em diversas partes do mundo. ¿Queremos aproveitar o bom momento vivido pelo país, um dos primeiros a sair da crise e que acabou de ser contemplado com o grau de investimento¿, afirmou. A ideia, destacou ele, é seguir o exemplo dos Global 37, papéis com vencimento em 2037, que vêm pagando juros de 6% ao ano.

Para o secretário, essa é a hora de melhorar o perfil de vencimento da dívida externa brasileira, o que será facilitado com a chancela de bom pagador dada ao Brasil pela Moody¿s. O Brasil está de olho, principalmente, em investidores institucionais, como os fundos de pensão, que miram o longo prazo. ¿Vamos trabalhar com o critério que a gente sempre usa, de emissões qualitativas, que vão mirar prazos maiores e taxas menores¿, reforçou o secretário. (VN e DB)

Memória Grau de investimento

Apesar da crescente preocupação dos analistas de mercado com o forte aumento dos gastos públicos, a Moody¿s, uma das três maiores agências de classificação de risco do mundo, elevou o Brasil, em 22 de setembro, ao grau de investimento. Com isso, o país se tornou o primeiro a receber tal chancela depois do estouro da crise mundial em setembro do ano passado, um feito e tanto se levado em conta que nações como a Espanha tiveram suas notas rebaixadas devido à substancial deterioração de suas economias. Esse fato justifica a intenção do Tesouro Nacional de emitir títulos.

Ao anunciar sua decisão, a Moody¿s classificou o Brasil como um ¿vencedor¿, por ter superado rapidamente as turbulências provocadas pelo estouro da bolha imobiliária americana. De economia especulativa (nota Ba1), o país passou a ser visto como porto seguro para os investimentos (Baa3). Segundo a agência, o Brasil, ao contrário de outras economias com grau de investimento, registrou um rápido processo de recessão, com a queda do PIB nos últimos três meses de 2008 e nos três primeiros de 2009. Isso decorreu, sobretudo, da forma rápida com que o governo agiu para minimizar os impactos da crise, seja injetando recursos na economia, seja cortando impostos, como no setor automobilístico. Além disso, a agência colocou a economia brasileira em perspectiva positiva.

Por isso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, observou que pode haver uma melhora nas notas do Brasil nos próximos 18 meses.