Título: O voto do relator do mensalão
Autor: Brígido, Carolina; Souza, André de
Fonte: O Globo, 17/08/2012, O País, p. 3

Barbosa pede a condenação de João Paulo Cunha, Marcos Valério e sócios da SMP&B

BRASÍLIA O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, votou ontem pela condenação do ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha (PT-SP), por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro. Votou também pela condenação de Marcos Valério, operador do mensalão, e de Cristiano Mello Paz e Ramon Hollerbach, sócios de Valério na agência de publicidade SMP&B, por corrupção ativa e peculato. A SMP&B prestava serviços à Câmara dos Deputados. Apenas ontem, 11º dia de julgamento, o Supremo Tribunal Federal começou a tratar do destino dos réus. A votação continua segunda-feira, com os votos dos demais ministros sobre essa parte da denúncia. Em seguida, o relator lerá a segunda parte de seu voto.

Segundo Barbosa, João Paulo recebeu R$ 50 mil da agência e, em troca, direcionou licitação da Câmara para que a SMP&B fosse vitoriosa. João Paulo também teria autorizado subcontratações: a agência repassava o serviço a terceiros e ficava com a maior parte dos honorários. Ao todo, a SMP&B teria recebido R$ 10,9 milhões dos cofres públicos, mas os serviços prestados diretamente por ela foram de apenas R$ 17 mil. A troca de favores configura corrupção ativa para os sócios da SMP&B, que efetuaram o pagamento, e corrupção passiva para João Paulo, que recebeu o dinheiro, segundo o relator. Como a quantia foi paga de forma velada, sem registros formais, o deputado petista também foi enquadrado na prática de lavagem de dinheiro.

- O pagamento dos R$ 50 mil foi um claro favorecimento privado, em benefício próprio de João Paulo Cunha, uma vez que lhe cabia, no exercício do cargo, constituir a comissão de licitação, autorizar licitação e autorizar gastos com terceiros. A agência prestou serviços ínfimos em comparação ao montante recebido. Restam caracterizados os crimes de corrupção ativa, atribuído a Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach e de corrupção passiva, atribuído a João Paulo Cunha - afirmou Barbosa.

O peculato - quando alguém se vale de cargo público em benefício próprio ou de outros - ocorreu, segundo o relator, em duas situações: a primeira nas subcontratações, que representaram desvios milionários dos cofres públicos em benefício da SMP&B. A segunda, quando a agência de publicidade subcontratou a empresa IFT para prestar assessoria pessoal ao petista.

Barbosa começou o voto com a gênese do suposto esquema, os desvios de recursos públicos da Câmara dos Deputados. Segundo o ministro, os empresários se aproximaram do petista porque tinham interesse em firmar contratos com órgãos públicos federais. O relacionamento da SMP&B com Cunha começou no fim de 2002. A empresa cuidou da campanha do deputado à presidência da Câmara e, no ano seguinte, os encontros continuaram acontecendo.

Segundo o voto de Barbosa, em 4 de setembro de 2003, a mulher de Cunha, Márcia Regina, foi até uma agência do Banco Rural para receber R$ 50 mil em espécie, valor oriundo da SMP&B. Onze dias depois, João Paulo autorizou a instalação de uma comissão para preparar a licitação. A empresa venceu a concorrência e foi contratada pela Câmara em 31 de dezembro de 2003. A partir de janeiro de 2004, o presidente da Câmara teria autorizado a contratação de terceiros por meio da SMP&B, dando à empresa honorários sobre essas operações.

- Vejam a natureza fraudulenta da licitação que levou à contratação da empresa SMP&B. Ela foi contratada após o pagamento de R$ 50 mil a João Paulo Cunha. Contratada a agência, João Paulo autorizou gastos com terceiros por meio da agência. A despesa alcançou R$ 10,9 milhões. Sobre esse montante, a agência retirava honorários que garantiram a remuneração dos sócios por um ano sem nenhuma contrapartida - afirmou Barbosa.

Os advogados do parlamentar alegam que o dinheiro foi enviado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, para custear a pré-campanha do partido em Osasco, na Grande São Paulo. Barbosa refutou a tese. Argumentou que a mulher de Cunha assinou um recibo no Banco Rural. O documento informava que o dinheiro vinha da SMP&B. O relator sustentou que, se Delúbio quisesse mandar dinheiro para o PT em Osasco, não teria recorrido a uma agência bancária em Brasília nem teria feito isso um ano antes do período eleitoral:

- Não havia dúvida de que o dinheiro não era do PT nem de Delúbio Soares, mas que vinha de agências de Marcos Valério. As provas conduzem ao entendimento de que o réu sabia da origem dos R$ 50 mil e aceitou a vantagem ilícita.

Barbosa contou que, por dois anos, o nome do sacador do dinheiro foi mantido em sigilo pelo Banco Rural. A instituição apresentou recibo em nome da SMP&B. Dois anos depois, quando foi pedida a busca e apreensão de documentos no banco, o nome do beneficiário foi revelado.

- Está demonstrado que o réu dolosamente utilizou sofisticado serviço de lavagem de dinheiro, operacionalizado através das contas bancárias das empresas de Marcos Valério, para receber os R$ 50 mil. Tudo permaneceu na maior clandestinidade até que as medidas de busca e apreensão revelassem os atos. Dessa forma, tenho como caracterizado o crime de lavagem imputado ao réu João Paulo Cunha.

O relator disse que ficou comprovado que a empresa da qual Valério é sócio teve lucro milionário com as subcontratações. A praxe era o recebimento de 5% dos valores terceirizados. Por conta disso, a SMPB costumava superfaturar os preços pagos às demais empresas.

O ministro deu exemplos de empresas subcontratadas e destacou a IFT, do jornalista Luiz Costa Pinto. Segundo Barbosa, ele prestava assessoria a João Paulo e não à Casa, como alegou o réu.

- Houve dolo na subcontratação por parte de João Paulo Cunha? A resposta para mim é positiva. Não há como afastar benefício pessoal resultante da contratação de Luiz Costa Pinto, sem precisar pagar o alto preço cobrado pelo assessor, R$ 21 mil por mês em 2003 - afirmou o relator.

Passo a passo

OS CRIMES DE CADA UM, POR JOAQUIM BARBOSA

João Paulo Cunha (PT-SP)

CORRUPÇÃO PASSIVA. O réu mantinha contatos com Marcos Valério e não poderia alegar, portanto, que não sabia a origem do dinheiro sacado por sua esposa no Banco Rural. "Suas relações com sócios da SMP&B, em especial Marcos Valério, eram intensas desde o final de 2002, quando o acusado concorreu à presidência da Câmara, o que reforça a conclusão de que João Paulo Cunha sabia que o valor por ele indevidamente recebido foi repassado pelas empresas de Marcos Valério".

PECULATO. Há provas do crime de peculato (quando o funcionário público usa seu cargo para tirar vantagem para si ou outro), uma vez que o deputado João Paulo Cunha autorizou a subcontratação de serviços no contrato de publicidade da Câmara dos Deputados, sem que a agência de Marcos Valério apresentasse qualquer contrapartida. Apenas 0,01% do valor do contrato teria sido prestado diretamente.

LAVAGEM DE DINHEIRO. João Paulo tentou ocultar a origem e movimentação dos R$ 50 mil sacados por sua esposa no Banco Rural. “O crime se consumou e permitiu a ocultação da origem, da movimentação, localização e propriedade do dinheiro por quase dois anos. Órgãos de fiscalização não foram informados da operação, que não foi registrada em nome da senhora Márcia (mulher de João Paulo)”.

Marcos Valério e os ex-sócios

CORRUPÇÃO ATIVA. “Constata-se que Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach pagaram quantia relevante em espécie para o presidente da Câmara dos Deputados (...) num período em que Marcos Valério manifestava seu interesse de se aproximar do PT para obter contratos com órgãos públicos.” PECULATO. “Os três réus atuaram em parceria com João Paulo, permitindo que ele desviasse recursos da Câmara para terceirizar a contratação de assessor”.