Título: Recurso da Delta pagou gastos de campanha
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: O Globo, 17/08/2012, O País, p. 9

Empresa de fachada recebeu R$ 13 milhões da empreiteira e saldou, em 2010, despesas de eleição em Goiás

BRASÍLIA A quebra dos sigilos bancários de uma das empresas fantasmas abastecidas pela Delta Construções traz indícios contundentes de que recursos da empreiteira foram usados com finalidade eleitoral. A CPI do Cachoeira analisa os repasses feitos pela Brava Construções, empreendimento montado pelo grupo do bicheiro Carlinhos Cachoeira e irrigado com R$ 13 milhões da Delta. Entre os beneficiários da Brava, estão dois institutos de pesquisas eleitorais, doadores de campanha, gráficas e posto de gasolina contratados por candidatos, lideranças partidárias regionais e a mulher de um deputado estadual de Goiás. Todos os repasses foram feitos em maio, julho e agosto de 2010, véspera de eleição. Integrantes da CPI só passaram a conhecer esses dados com o envio dos últimos relatórios pelos bancos, semana passada.

A mulher do deputado estadual Cláudio Meirelles (PR-GO), Cristina de Oliveira Borges Meirelles, recebeu R$ 100 mil da Brava, por meio de uma transferência bancária efetuada em 22 de julho de 2010, segundo relatórios enviados à CPI. Cristina tentou se eleger vereadora em Goiânia em 2008, sem sucesso. O marido conquistou o segundo mandato de deputado estadual em 2010.

- Minha mulher vai pedir um extrato do banco, para saber do que se trata. Ela não se lembra de quem eram esses R$ 100 mil. No movimento da conta bancária, há depósitos todos os dias - disse o deputado.

Ex-presidente do detran teria usado dinheiro

Segundo ele, Cristina é funcionária pública de carreira em Goiás e empresária do ramo gráfico, mas a empresa não estaria nos nomes dos dois.

Em maio de 2010, a Brava fez repasses de dinheiro a institutos de pesquisas eleitorais de Goiás: Ana Cardoso de Lorenzo, diretora do Serpes, recebeu R$ 70 mil; a conta bancária do instituto Fortiori Pesquisa, Diagnóstico e Marketing recebeu outros R$ 18 mil. Os dois beneficiários confirmam os depósitos.

- O contratante das pesquisas foi Edivaldo Cardoso (ex-presidente do Detran em Goiás, citado em 500 conversas telefônicas na Operação Monte Carlo), presidente do PTdoB em Goiás. E houve um único depósito, de R$ 35 mil - afirmou o advogado do Serpes, Sebastião Ferreira Leite.

O dono do Fortiori, Jean Carlo Carvalho, sustenta que o contratante da pesquisa eleitoral foi uma emissora de TV de Anápolis (GO), cidade de Cachoeira.

A Barramares Gráfica e Editora, de Goiânia, recebeu R$ 50 mil da Brava às vésperas das eleições. A gráfica prestou serviços à campanha do ex-senador Demóstenes Torres naquele ano e fez uma doação eleitoral ao candidato. Demóstenes foi cassado em julho por colocar o mandato a serviço de Cachoeira. Os donos da Barramares dizem que só se manifestam após notificação da CPI.

Outra empresa beneficiada, a Meireles Alimentos, com sede em Anápolis, recebeu R$ 50 mil em 12 de maio de 2010. Em setembro e outubro do mesmo ano, a firma fez duas doações de campanha a um candidato a deputado estadual do PTB em Goiás, Valdair de Jesus Costa, o Frei Valdair, que não se elegeu. O dono da Meireles Alimentos, Leonardo Meireles, nega qualquer relação entre o repasse da Brava e a doação de campanha registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

- Fiz a doação a Valdair porque ele é meu amigo, não há qualquer relação. Só descobri que recebi esse dinheiro ontem, porque o Senado me ligou. O que fiz foi trocar um cheque de R$ 50 mil na Libra Factoring, com um irmão do Cachoeira. Não dava para saber a origem do depósito bancário - disse Leonardo.

Na lista de beneficiários da Brava aparecem ainda lideranças políticas do interior de Goiás. Mas o maior depósito bancário feito pela Brava, segundo os documentos encaminhados à CPI, foi para a Viação Anapolina: R$ 515 mil, em 15 de julho de 2010. A assessoria jurídica da empresa diz que prestará um "esclarecimento formal" ao Congresso e não quis confirmar ou negar o recebimento do dinheiro.

Na terça-feira, a CPI aprovou requerimento para que a Viação Anapolina apresente informações sobre o depósito de R$ 515 mil. Os mesmos esclarecimentos foram solicitados pela comissão ao instituto Fortiori, à gráfica Barramares e à Meireles Alimentos.

mãe de andressa recebeu R$ 200 mil

Um outro repasse da Brava, de R$ 200 mil, foi para Meire Alves Mendonça. Esse é o nome da mãe de Andressa Mendonça, mulher de Cachoeira. O depósito ocorreu em 17 de maio de 2010. Naquele ano, Andressa estava casada com o empresário da construção civil Wilder Pedro de Morais (DEM-GO), que hoje exerce o mandato de senador antes pertencente a Demóstenes. Wilder era o primeiro suplente. O pai de Andressa, Lair Mendonça, disse não ter conhecimento sobre o repasse do dinheiro. Segundo ele, a mulher deve responder pela transferência bancária. Meire e Andressa não deram retorno à reportagem.

Até agora, a CPI do Cachoeira obteve a quebra dos sigilos bancários de cinco empresas de fachada citadas nas investigações da Polícia Federal (PF) que resultaram na Operação Monte Carlo. Os dados de quatro empreendimentos já chegaram à CPI, dos quais dois receberam depósitos da Delta, de quase R$ 40 milhões. Apesar disso, o comando governista da CPI resiste em aprofundar a investigação sobre a relação da empreiteira com Cachoeira.