Título: Asilo sem saída para Assange
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Fonte: O Globo, 17/08/2012, Mundo, p. 33

Reino Unido ignora amparo legal do Equador a fundador do WikiLeaks e ameaça prendê-lo

CRISE DIPLOmÁTICA

LONDRES A decisão anunciada ontem pelo Equador, de conceder asilo a Julian Assange, desafiando a pressão britânica, pôs o fundador do WikiLeaks no centro de uma crise diplomática entre os dois países. Com uma ordem de extradição, por suspeita de estupro, para a Suécia, já emitida no Reino Unido e temendo ser perseguido pela Justiça americana por ter revelado segredos diplomáticos do país, Assange está confinado há dois meses num quarto da embaixada equatoriana em Londres. O Reino Unido reagiu com dureza ao asilo: se sair do prédio, Assange será preso, já que a concessão de um salvo-conduto foi descartada pelo próprio ministro das Relações Exteriores, William Hague.

Ambos os governos já admitem que o impasse deverá se arrastar por um longo período. O governo britânico chegou a cogitar aplicar uma lei local que permite a suspensão da imunidade da embaixada equatoriana, acionando um alarme nos meios diplomáticos.

Ao anunciar a concessão do asilo, o Equador listou 11 motivos alegando, sobretudo, que Assange é vítima de perseguição política. Os argumentos foram rejeitados pelo Reino Unido.

- Nós não vamos dar salvo-conduto para Assange sair do Reino Unido, nem temos fundamentos legais para isso - disse o chanceler britânico, William Hague. - O Reino Unido não reconhece o princípio de asilo diplomático. E, para países que o reconhecem, está claro que ele não deve ser usado como propósito para escapar de processos regulares em tribunais.

Assange recebeu do Equador asilo diplomático, uma figura jurídica semelhante mas não exatamente igual ao asilo político contemplado na legislação internacional. O termo se aplicaria, em princípio, apenas a países latino-americanos e tem sua base na chamada Convenção de Asilo Diplomático, aprovada em 1954 em Caracas e ratificada por Brasil, Equador e mais de dez nações da região. Pelo artigo 12 do acordo, um país é obrigado a permitir a saída da pessoa asilada em uma embaixada.

Assange está na embaixada há quase dois meses. A representação equatoriana ocupa o térreo de um prédio, e o australiano usa atualmente um dos cerca de dez escritórios como quarto. Uma cama e um chuveiro foram instalados para ele. Não há jardim, o que limita sua capacidade de se exercitar, nem cozinha. Ele acompanhou o anúncio da concessão do asilo pela televisão.

- É uma vitória importante para mim e para minha gente. Mas as coisas provavelmente ficarão mais estressantes agora - assinalou o fundador do WikiLeaks a funcionários da embaixada. - Agradeço ao povo equatoriano, ao presidente Rafael Correa e ao seu governo. Não foi o Reino Unido nem o meu país de origem, a Austrália, que se ergueu para me proteger das perseguições. Mas sim, uma nação latino-americana valente e independente.

A resistência britânica foi duramente criticada pelo chanceler do Equador, Ricardo Patiño. Ele alegou que a vida de Assange, por ter exposto dezenas de milhares de documentos com segredos do governo americano, corre perigo, e rejeitou a pressão do Reino Unido, que teria ameaçado invadir a embaixada equatoriana evocando uma lei interna de 1987.

- O Equador é um Estado livre e democrático, não sujeito a tutelagens externas. Apostamos no diálogo entre dois Estados soberanos para resolver o conflito - disse Patiño.

Hague negou qualquer ameaça e afirmou que o impasse deve se arrastar por "um tempo considerável". Manifestantes protestaram a favor de Assange em Londres, onde houve três detidos, e em Quito. A decisão equatoriana se apoia numa antiga empatia entre o presidente Rafael Correa e Assange. Quando o entrevistou para seu programa na TV russa, por exemplo, o fundador do WikiLeaks o apresentou como um líder da nova geração. Como resposta, ouviu elogios de Correa por sua luta para expor os EUA.

Assange não enfrenta processos nos EUA, mas, especula-se, já seria alvo de uma ampla investigação que poderia levá-lo ao tribunal por espionagem. Seu medo é que, após ser extraditado para Suécia, seja entregue a Washington. Ontem, o Departamento de Estado negou ter pressionado o Reino Unido no caso. A União Europeia disse que a questão é bilateral e apenas acompanharia o desenvolvimento do caso.

Garzón ameaça ir a corte internacional

O chanceler sueco, Carl Bildt, também negou estar envolvido em qualquer perseguição e disse que o sistema judicial de seu país é justo. Seu governo considerou "inaceitável" a postura de Quito e convocou o embaixador equatoriano em Estocolmo para consultas.

"Nosso sistema firmemente legal e constitucional garante os direitos de cada um. Nós rejeitamos de forma veemente qualquer acusação do contrário", escreveu Bildt no Twitter.

O caso pode parar na Corte Internacional de Justiça, como ameaçou ontem o advogado de Assange, o espanhol Baltasar Garzón. O ex-juiz disse que o Reino Unido tem o dever de aplicar "as obrigações diplomáticas da Convenção dos Refugiados" e conceder o salvo-conduto:

- É uma desculpa para julgá-lo nos EUA por revelar informações. A confiabilidade do julgamento é nula. É uma pura represália política.