Título: A privatização da Dilma é outra
Autor: Fiuza, Guilherme
Fonte: O Globo, 18/08/2012, Opinião, p. 16
O PSDB publicou anúncio parabenizando Dilma Rousseff pela privatização de rodovias e ferrovias. O PSDB se sentiu esperto com essa manobra: de tanto perder eleições, aceitou que a privatização é um estigma - e tenta colá-lo no governo popular, fingindo que o congratula. Seria uma forma de oposição muito sagaz, se o partido fosse um grêmio estudantil.
Os tucanos perderam o bonde da história. Não souberam mostrar à opinião pública a verdadeira privatização feita pelo PT - muito mais sofisticada e profunda do que essa anunciada agora. Nunca antes na história deste país o poder público tinha sido tão bem reprogramado para a alimentação privada. O julgamento do mensalão é a melhor prova disso. Em vez de ter que se esconder da população e torcer para ser esquecido, um mensaleiro como João Paulo Cunha - condenado no voto do ministro Joaquim Barbosa por lavagem de dinheiro, peculato e corrupção passiva - é candidato a prefeito. Tamanha desinibição mostra que a privatização do PT deu certo.
Talvez Cunha fique pelo caminho, mas isso não fará diferença. O ex-ministro Luiz Gushiken, por exemplo, com todas as evidências de que estava no centro do valerioduto, sequer é réu no processo. Até José Dirceu, o primeiro a cair em desgraça, viveu muito bem, obrigado, esses anos, fazendo lobby nacional e internacional com o crachá do governo popular. Não há dúvida, o esquema parasitário funcionou.
E a opinião pública brasileira é cúmplice da operação. Como acaba de declarar com muita propriedade o ministro Gilberto Carvalho, guardião dos gabinetes de Lula e Dilma, depois do escândalo veio a reeleição do primeiro e a eleição da segunda - porque o povo entendeu e "apoiou o processo". A chance de inocência do eleitorado era justamente não ter entendido "o processo". Mas Carvalho tem razão. O povo compreendeu bem que o maior escândalo da República foi engendrado pela cúpula do PT, e assinou embaixo. Em duas vias.
Essa chancela valeu ouro para a revolução da boquinha. Se o Brasil tivesse avisado, em 2006, que não topa esse tipo de coisa, jamais teria aparecido uma Erenice Guerra chefiando a Casa Civil, cheia de parentes e amigos fazendo bons negócios com contratos públicos. Antonio Palocci também não teria privatizado o software da Fazenda, tornando-se um grande consultor privado no quintal do poder. Fernando Pimentel, que usou a mesma tecnologia, nem precisou largar o cabide - está aí até hoje como um monumento à união civil entre o poder governamental e o bolso dos companheiros.
Cúmplice dessa festa, a opinião pública reputa Dilma Rousseff como uma "gerente durona" - provavelmente a única do planeta que mantém um amigo escondido no cargo de ministro do Desenvolvimento. A gerente durona, a quem Dirceu passou o bastão quando derrubado pelo mensalão, montou um governo em que sete ministros caíram de podres no primeiro ano. Quase todos estavam praticando exatamente o esquema consagrado no mensalão: contratos públicos inventados para abastecer os partidos e ONGs companheiras.
O PSDB não vê que essa é a grande privatização de Dilma.
Ou então vê, mas se cala, porque também vê quase 80% dos contribuintes sangrando felizes, dando aprovação recorde a tal gerência. Pusilânime, o PSDB quer virar sócio do mal-entendido, tratando dissimuladamente a privatização de estradas e trilhos como um ônus para o PT. Pérolas da covardia ideológica.
Se os brasileiros tivessem dito um não rotundo ao esquema do mensalão, também não haveria a orgia Delta-Cachoeira. São escândalos da mesma idade, mas o segundo não teve o seu Roberto Jefferson - e prosseguiu à sombra de um governo cujo principal programa de obras acabou à mercê de um empresário picareta, mancomunado com um bicheiro. Foi assim que o Dnit (esse mesmo que cuida das rodovias e ferrovias) virou feudo de Carlinhos Cachoeira. Das duas, uma: ou o bicheiro foi estatizado, ou aí estava mais uma etapa dessa privatização subterrânea que o Brasil consagrou. Os neoliberais têm muito que aprender sobre redução (subtração) do Estado.
A doutrina Lula/Dilma de ocupação do poder como meio de vida é um sucesso, e faz escola pelos quatro cantos do país. Basta ser amigo do governo popular, portanto defensor dos pobres, e correr para o abraço (aos cofres públicos). Não tem erro. A toda hora, de onde menos se espera, sai um candidato ao benefício do Bolsa Estado.
Até na arena do mensalão a moda pega. Todos se lembram de Nelson Jobim, como ministro do Supremo Tribunal Federal, defendendo José Dirceu com unhas e dentes e depois virando ministro da Defesa de Lula. Pois ninguém se surpreenda se o atual presidente do Supremo virar em breve candidato a senador pelo PT.
Eis aí uma boa ideia para os espertos do PSDB: armar os candidatos do partido com bandeiras vermelhas e estrelinhas. Talvez nem precisem mais falar mal das privatizações.