Título: Hospitais improvisam para ajudar pacientes
Autor: Berta, Ruben
Fonte: O Globo, 19/08/2012, Rio, p. 31

Hemorio coloca banco na entrada. Instituto da Fiocruz cria regras para fornecimento de alimentação

Enquanto os passageiros de Porciúncula esperam dentro da van, estacionada perto da entrada do Hemorio, a liberação do último paciente para poderem voltar para casa, uma cena chama a atenção: perto do portão principal, há um banquinho embaixo de um toldo. Ali espremem-se pessoas que já foram atendidas, mas precisam aguardar a chegada do veículo que vai levá-las de volta para casa. Entre elas está Maria das Graças Ribeiro, tia de Estevão, de 6 anos, que chora muito, pedindo para ir embora.

- Desde 1 mês de idade, ele se trata aqui. Hoje, tive que ajudar porque a mãe não teve como vir - explica Maria das Graças enquanto espera a van para Miracema, cidade que fica a 260 quilômetros do Rio.

Fórum discutirá tratamento

O banquinho e o toldo - colocados todos os dias de manhã e retirados à noite há três anos, para evitar que sejam roubados ou usados por moradores de rua - são um exemplo de como grandes hospitais de referência da capital tentam se adaptar para minimizar os transtornos de quem vem de longe. Somente em 2011, o Hemorio internou 263 pacientes de outros municípios e realizou 16.015 atendimentos ambulatoriais de doentes de fora da capital.

- Nós percebemos que as pessoas ficavam vagando ou sentadas na rua enquanto aguardavam o transporte. Então colocamos o banco. Fornecemos também, através de voluntários, um café da manhã, mas a responsabilidade de dar alimentação é dos municípios - afirma a diretora do Hemorio, Clarisse Lobo, destacando que, em algumas especialidades como no tratamento da anemia falciforme, estão sendo criados polos regionais de atendimento para evitar que o paciente tenha que se deslocar por longas distâncias.

A falta de assistência a pacientes que vêm de longe sensibilizou a direção do Instituto Fernandes Figueira (IFF), unidade da Fiocruz referência em atendimento para mulheres, crianças e adolescentes. Lá, em 2011, dos 5.669 cadastrados, 2.496 (44%) eram de fora da capital. O serviço social detectou a grande quantidade de pessoas que passavam o dia esperando por atendimento ou pelo transporte de volta, sem alimentação. E foi criada uma regra própria.

- A portaria do Ministério da Saúde que instituiu o TFD (Tratamento Fora de Domicílio) não obriga o município a dar comida. Aqui, decidimos que, se um usuário passar mais de quatro horas, tem direito à alimentação do instituto - diz a coordenadora do serviço social do IFF, Mariana Setúbal.

Esta semana, o IFF promoverá um fórum para levantar soluções para as brechas existentes no TFD. Mariana lembra dos casos de acompanhantes que precisam ficar fora de suas cidades para dar apoio a pessoas internadas:

- Há mães que precisam ficar com os filhos internados por várias semanas e não têm, por exemplo, um transporte para voltar para casa se precisam resolver algum problema e voltar.

Nos arredores do Instituto Nacional do Câncer (Inca), na Praça da Cruz Vermelha, é possível ter uma ideia do trânsito de pacientes de outros municípios. Sem lugar próprio para parar, os motoristas de vans, micro-ônibus e até de carros de passeio improvisam uma fila de estacionamento num local onde só seria permitido o embarque e desembarque. No ano passado, das 8.538 pessoas atendidas na unidade, 4.374 (51%) vieram de fora da capital.

As vans na porta do Inca acabam sendo dormitórios de pessoas que não se tratam no hospital, mas precisam esperar quem está lá dentro sair. Carmelita dos Santos da Silva, de 62 anos, e o marido Antônio Vitorino, de 77, moradores de Rio Claro, foram atendidos por um ortopedista em Copacabana às 10h40m. O motorista os pegou e a van ficou parada até 14h30m esperando o paciente do Inca antes de retornar.

- Acordamos à 1h para pegar a van que saiu às 3h. Se tudo der certo, às 18h estamos de volta em casa. Mas é assim. Na nossa cidade, não há muitos médicos. No Rio é que está o melhor atendimento - diz Carmelita.